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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, junho 20, 2015

Por que o assassinato de 9 negros não é considerado um ato de terrorismo?

Por que se um branco mata 9 negros ele é considerado 'doente mental', e não 'terrorista'? Isso mostra o racismo estrutural dos Estados Unidos

Amy Goodman - Democracy Now
reprodução
Porque tantos políticos e grande parcela da mídia teme chamar o tiroteio ocorrido na Carolina do Sul de um ato de terrorismo? Discutimos os padrões na cobertura de tiroteios realizados por agressores brancos com dois convidados: Anthea Butler, professora de religião e estudos africanos da Universidade da Pensilvânia; e Raphael Warnock, pastor sênior da Igreja Batista Ebenezer, em Atlanta, Georgia; que foi o lar espiritual de Martin Luther King Jr. 
 
Amy Goodman: Professora Butler acaba de escrever um artigo publicado pelo The Washington Post; seu cabeçalho: "Atiradores negros são chamados 'terroristas' e 'bandidos'. Por que atiradores brancos são chamados de doentes mentais?" Anthea Butler, você poderia continuar a partir desse ponto? Fale sobre a questão de quem chamamos de terrorista e quem não chamamos. 
 
Anthea Butler: A razão pela qual eu acredito que brancos são sempre - e atiradores brancos, especialmente homens brancos - são sempre chamados de "doentes mentais" é que isso é uma leve parte do racismo estrutural nos Estados Unidos. Sempre que se ouve falar que um mulçumano fez ou é suspeito de fazer alguma coisa, ou um homem negro ou uma mulher negra, eles são sempre 'terroristas'; é 'atividade terrorista'; há palavras pejorativas que são usadas para descreve-los; eles são desumanizados. Quando alguém branco faz alguma coisa no seu país, eles são absolvidos. Quando é a juventude branca, que é composta de homens como Dylann Roof, são chamados de "garotos". Eles são infantilizados. Um homem jovem como Trayvon Martin é chamado de "jovem pesadão". É um claro sinal da infra-estrutura racista sob esse país, e parte disso teve a ver com a mídia, com esses retratos e a repetição constante de todos estes esteriótipos raciais e religiosos que prejudicaram esse país.  
 
 
Juan G.: No caso de Dylann Roof, isso tem sido particular. (...) você vê uma situação em que ele está algemado, mas também tem um colete à prova de bala, do qual eu não me lembro ser a situação, por exemplo, do jovem responsável pelo bombardeio da maratona de Boston ou muitos outros incidentes que tivemos. Até mesmo a imagem dos acusados que a mídia tem permissão pra ver é diferente.  
 
 
Anthea Butler: Colocar o colete nele o fez parecer um tanto frágil, quando essa foi a mesma pessoa que estava num estudo bíblico por uma hora e depois fez aqueles disparos. Não há nada frágil no seu ato terrorista e no racismo cometido. (...) Está enraizado. É uma prática dos aplicadores da lei e da mídia nesse país. E o que está acontecendo agora, e eu acho que isso é realmente importante enfatizar, é que o impacto da democratização, das pessoas terem mídia social, câmera no celular, sendo capazes de mostrar essas discrepâncias e as coisas de uma forma profundamente diferente, mudou a percepção no país, e as pessoas  estão começando a ver a verdade.
 
Amy Goodman: Na quinta, o apresentador da Fox News, Steve Doocy expressou incredibilidade de que o tiroteio em Charleston teria sido um crime de ódio. Ele, e seu convidado, pastor E.W. Jackson sugeriram que o atirador atacou a histórica igreja negra e suas visões bíblicas, não devido ao racismo:  
 
E.W. JACKSON: Estou profundamente preocupado com o fato deste atirador ter escolhido ir à uma Igreja, porque isso passa a impressão de que existe um aumento da hostilidade contra os cristãos no país.
STEVE DOOCY: Mm-hmm.
E.W. JACKSON: — Por conta das nossas visões bilblicas.
STEVE DOOCY: (...) é porque era um garoto branco, aparentemente, em uma Igreja negra. Mas você tocou num ponto interessante sobre a hostilidade aos cristãos. (...) 
E.W. JACKSON: Sim, sim. Eu não sei se a maioria das pessoas chega a esta conclusão sobre a questão racial. Eu espero pelo dia onde não teremos mais isso no nosso país. Mas nós não sabemos o porque ele foi à Igreja. Mas é fato que ele não escolheu um bar, ou uma quadra de basquete. Ele escolheu uma Igreja. 
 
AMY GOODMAN: Essa é a Fox. Dr. Raphael Warnock, essa questão do terrorismo doméstico e dos crimes de ódio - imediatamente o Prefeito e o chefe da política de Charleston, ambos brancos, disseram que havia sido um crime de ódio. Mas a verdade é que a Carolina do Sul é um dos cinco estados, junto com a Georgia, Wyoming e Indiana, que não possui leis específicas sobre crimes de ódio. Você pode nos falar sobre o que seria estes crimes de ódio, e se você os enxerga como terrorismo, e o que isso significaria caso assim chamássemos?  
 
REV. RAPHAEL WARNOCK: Isso é claramente um crime de ódio. O próprio criminoso assim o definiu. Ele demonstrou. Nós vimos fotos dele no Facebook onde ele ostentava a bandeira de Rhodesia, hoje Zimbabwe, nos dias em que este era um Estado de supremacia branca, o velho apartheid sul-africano. Então nós sabemos algo sobre a ideologia deste homem. 
 
Mas isso foi também um ato de terror, e que é conectado historicamente com o longo reinado de terror perpetrado contra as comunidades Afro-Americanas. Ele disse à um dos sobreviventes, "Sim, eu vou deixar você sobreviver para então você contar a história." Ora, temos que nos perguntar: o que esta história produz? Não sou um advogado. Mas será interessante ver como os advogados lidarão com o caso, como discutirão as questões técnicas sobre isso, mas é claro que ninguém está se preocupando com isso, me parece, que isso é um ato de terror, cometido não porque estas pessoas eram cristãs, mas porque eram afro-americanos.
 
E ele ainda disse: "você está estuprando nossas mulheres, e está tomando o país." Devemos nos perguntar de onde ele tirou esta ideia de "estarem tomando o país"? 
 
E a Fox News tem grande responsabilidade neste tipo de informação e discurso. Eles tem disseminado esta ideia de que "nós temos que tomar nosso país de volta". Este jovem de 21 anos, nascido no final dos anos 1990, me faz lembrar do meu sobrinho. Alguém, no entanto, o ensinou à odiar. 
 
E por isso temos que condenar os crimes de ódio, condenar este ato de terror, mas temos também que condenar este discurso que usualmente sugere que o nosso atual presidente é de algum lugar outro lugar que não o nosso país, que ele não seria um de "nós". 
*CartaMaior

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