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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, janeiro 09, 2011

Como o tigre celta devorou a Irlanda






A crise irlandesa e o fracasso do neoliberalismo
Eric Toussaint


Durante uma década a Irlanda foi apresentada pelos promotores mais fervorosos do capitalismo neoliberal como o modelo a seguir. O "tigre celta" ostentava uma taxa de crescimento mais elevada do que a média europeia. O taxa de tributação das empresas havia sido reduzida a 12,5% [1] e a taxa efectivamente paga pelas numerosas transnacionais que ali tinham domicílio oscilava entre 3% e 4%: um sonho! Um déficit orçamentário igual a 0 em 2007. Uma taxa de desemprego de 0% em 2008. Um verdadeiro encanto: todo o mundo parecia ali encontrar o seu quinhão.

Os trabalhadores tinham um emprego (é certo que muitas vezes precário), as suas famílias consumiam alegremente, elas desfrutavam do efeito riqueza e os capitalistas, tanto nacionais como estrangeiros, ostentavam resultados extraordinários.

Em outubro de 2008, dois ou três dias antes de o governo salvar da falência os grandes bancos "belgas" (Fortis e Dexia) às expensas dos cidadãos, Bruno Colmant, diretor da Bolsa de Bruxelas e professor de economia, publicou um artigo em Le Soir, o diário belga francófono de referência, no qual afirmava que a Bélgica devia absolutamente seguir o exemplo irlandês e desregulamentar ainda um pouco mais o seu sistema financeiro. Segundo Bruno Colmant, a Bélgica devia modificar o quadro institucional e legal a fim de se tornar uma plataforma do capital internacional como a Irlanda. Algumas semanas mais tarde, o Tigre Celta estava de joelhos.

Na Irlanda, a desregulamentação financeira encorajou uma explosão dos empréstimos às famílias (o endividamento familiar havia atingido 190% do PIB na véspera da crise), nomeadamente no setor imobiliário, o que estimulou a economia (indústria da construção, atividades financeiras, etc). O setor bancário inchou de uma forma exponencial com a instalação de numerosas sociedades estrangeiras [2] e o aumento dos ativos dos bancos irlandeses. Formaram-se bolhas imobiliárias e nas bolsas. O total das capitalizações na bolsa de valores, das emissões de obrigações e dos ativos dos bancos atingiu catorze vezes o PIB do país.

Aquilo que não podia acontecer neste mundo encantador aconteceu então: em setembro-outubro de 2008, o castelo de cartas ruiu, as bolhas financeiras e imobiliárias explodiram. Empresas fecham ou deixam o país, o desemprego sobe em flecha (de 0% em 2008, ele salta para 14% no princípio de 2010). O número de famílias incapazes de pagar os credores cresce muito rapidamente. Todo o sistema bancário irlandês está à beira da falência e o governo, completamente em pânico e cego, garantiu o conjunto dos depósitos bancários com 489 bilhões de euros (cerca de três vezes o PIB irlandês, que se elevava a 168 bilhões de euros). Ele nacionaliza o Allied Irish Bank, principal financiador do setor imobiliário, injetando 48,5 bilhões de euros (cerca de 30% do PIB).

As exportações enfraquecem. As receitas do Estado baixam. O déficit orçamentário salta de 14% do PIB em 2009 para 32% em 2010 (mais da metade é atribuível ao apoio maciço aos bancos: 46 bilhões de injeção de fundos próprios e 31 de compra de ativos de risco).

O plano europeu de ajuda do fim de 2010, com participação do FMI, eleva-se a 85 bilhões de euros de empréstimos (dos quais 22,5 fornecidos pelo FMI) e já se verifica que será insuficiente. Em contrapartida, o remédio de cavalo imposto ao tigre celta é de fato um plano de austeridade drástico que pesa fortemente sobre o poder de compra das famílias, tendo como consequências uma redução do consumo, das despesas públicas nos domínios sociais, dos salários da função pública e na infraestrutura (em proveito do reembolso da dívida) e das receitas fiscais.

As principais medidas do plano de austeridade são terríveis no plano social:

Supressão de 24.750 empregos de funcionários (8% do efetivo, o que equivaleria à supressão de 350 mil empregos na França);

Os novos contratados receberão um salário 10% inferior;

Baixa das transferências sociais com diminuição dos subsídios de desemprego e familiares, redução importante do orçamento da saúde, congelamento das pensões;

Aumento dos impostos pagos principalmente pela maioria da população vítima da crise, nomeadamente alta do IVA de 21 para 23% em 2014; criação de uma taxa imobiliária (afeta a metade das famílias, até então livres de tributação);

Baixa de 1€ do salário horário mínimo (de 8,65 para 7,65 euros, ou seja, -11%).

As taxas dos empréstimos concedidos à Irlanda são muito elevadas: 5,7% para o do FMI e 6,05% para os empréstimos "europeus". Eles servirão para reembolsar os bancos e outras sociedades financeiras que comprarão os títulos da dívida irlandesa — as quais tomam emprestado a uma taxa de 1% junto ao Banco Central Europeu. Um verdadeiro presente dos deuses para os agentes financeiros privados. Segundo a AFP, "o diretor geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, declarou: "Isto vai anda, mas naturalmente é difícil [...] porque é duro para as pessoas' que terão de fazer sacrifícios em nome da austeridade orçamentária".

A oposição na rua e no parlamento foi muito forte. O Dail, câmara baixa, adoptou o plano de ajuda de 85 bilhões de euros apenas por 81 votos contra 75. Longe de abandonar a sua orientação neoliberal, o FMI indicou que colocava dentre as prioridades da Irlanda a adoção das reformas para suprimir "os obstáculos estruturais aos negócios", a fim de "sustentar a competitividade nos próximos anos". O socialista Dominique Strauss-Kahn diz-se convencido de que a chegada de um novo governo após as eleições previstas para o princípio de 2011 nada mudaria: "Estou confiante em que, ainda que os partidos da oposição, o Fine Gael e o trabalhista, critiquem o governo e o programa [...], eles compreendem a necessidade de colocá-lo em execução".

Em suma, a liberalização econômica e financeira que visava atrair a qualquer preço os investimentos estrangeiros e as sociedades financeiras transnacionais conduziu a um fracasso completo. Para aumentar os danos sofridos pela população vítima desta política, o governo e o FMI não encontraram nada melhor do que aprofundar a orientação neoliberal praticada desde há 20 anos e infligir à população, sob a pressão da finança internacional, um programa de ajuste estrutural calcado em medidas impostas há três décadas aos países do terceiro mundo.

Estas três décadas devem ao contrário servir de exemplo daquilo que não se deve fazer. Eis porque é urgente impor uma lógica radicalmente diferente, em favor dos povos e não da finança privada.

Notas

(1) A taxa de tributação dos lucros das empresas eleva-se a 39,5% no Japão, 39,2% na Grã-Bretanha, 34,4% em França, 28% nos Estados Unidos.

(2) As dificuldades do banco alemão Hypo Reale Estate (salvo em 2007 pelo governo de Angela Merckel) e a falência do banco Bear Sterns nos EUA (comprado em Março de 2008 pelo J.P. Morgan com a ajuda da administração Bush) provém nomeadamente dos problemas dos seus fundos especulativos cuja sede era em Dublim.

P.S. Este artigo inspirou-se num Power Point realizado por Pascal Franchet ("Actualité de la dette publique au Nord").

*esquerdopata

Comunicação: o cerne da questão


Durante os últimos anos, jornais, revistas e TVs resgataram e aperfeiçoaram as técnicas de manipulação e partidarismo político dos tempos que antecederam e sustentaram a ditadura militar entre 64 a 85, causando a morte e o desaparecimento de milhares de brasileiros. São truques e procedimentos conhecidos por muitos de nós:

O truque campeão é o factoide – jogada ensaiada pelos membros do PIG: um faz o lançamento, o outro recebe, tabela como o terceiro, recebe e parte livre em direção ao gol. Falha ou Estadão faziam o lançamento do boato durante a semana. O Jornal Nacional matava no peito mencionando a Falha ou Estadão como “fonte” e tabelava com eles durante a semana. A Veja recebia o passe “redondinho” e finalmente, aos sábados, publicava o “golaço” na matéria de capa. Durante a semana seguinte, o PIG comentava, entrevistava, reprisava a jogada por todos os ângulos etc. Até o surgimento da Internet, era como se o time da “verdade” não tivesse goleiro. Agora tem. A defesa – que tem mídia alternativa, blogues, Youtube, comunidades virtuais e outros espaços – bate de frente com o PIG, instantaneamente. Mas só na Web.

Outro método usado pelo PIG para atacar pessoas, grupos ou governos inteiros é o ponto de vista que veicula. Existem o fato e sua leitura. O golpismo está na pior maneira (neste caso contra o governo) de noticiar o fato. Em vez de dizer que 27 milhões saíram da miséria, diz que o Brasil ainda tem 23 milhões de miseráveis. Em vez de dizer que o povo compra mais, dizem que se endivida mais. Em vez de dizer que Dilma foi eleita porque recebeu 12 milhões de votos a mais que Serra, dizem que só 56 dos 190 milhões de brasileiros votou na candidata de Lula. Em vez de informar que parentes diretos de todos os políticos usam passaportes especiais, se limitam a citar os filhos de Lula.

Uma das maneiras de desqualificar o governo é a omissão: nenhum órgão de imprensa é obrigado a publicar coisa alguma. Liberdade de expressão também significa liberdade de omissão. Não fossem o IBGE e outros institutos nacionais e internacionais medirem todos os avanços feitos no Brasil, nos últimos 8 anos, a imprensa brasileira elegeria Serra que, por sua vez, roubaria todos os créditos de Lula.

Outro recurso muito usado é compor a manchete com as expressões “suposto” ou “segundo fulano”. Expressões poderosas, pois permitem mentir e caluniar à vontade, sem culpa. Se alguém diz que “desconfia” que seu telefone foi grampeado, não precisa investigar o grampo. Basta compor a matéria usando uma destas expressões, lavando as mãos. “Segundo Gilmar Mendes, houve um suposto grampo ao seu telefone durante a operação Satiagraha”; “Dossiê Serra foi supostamente encomendado pelo PT”; “Suposta ficha policial sobre a captura de Dilma Rousseff mostra que a candidata do PT foi assaltante de banco”. “Segundo Roberto Jefferson, o mensalão…”. O que importa mesmo é o que fica no subconsciente do público.

Mais um recurso: o PIG organiza as matérias em blocos, como se fossem “assuntos do mesmo saco”. Principalmente na TV. Exemplo: as conversas que Lula manteve com Ahmadinejad sobre o programa nuclear iraniano eram noticiadas em meio a bobagens irrelevantes sobre Fidel Castro, Cuba, Hugo Chaves etc. É como se dissessem: “Agora vamos falar de ditaduras: Ahmadinejad, blá blá blá, Hugo Chaves blá blá blá, Lula, blá blá blá, Fidel Castro, blá blá blá… Assim forçam a caracterização de Lula como “da turma” dos que admitem a idéia da ditadura.

Semana passada a Falha publicou uma “pérola” com um título algo como: “O governo Lula ‘contemplou’ 8 mil veículos de propaganda em seu mandato – um ‘aumento’ de 1500%. Foram gastos R$ 2,5 bi/ano”. O título da matéria está correto, mas induz a uma interpretação errada. Dá a entender que Lula gastou muuuuito mais do que FHC ou qualquer outro presidente com propaganda institucional – o que é absolutamente falso. O fato: Lula não aumentou a verba. Aumentou sim, o número de órgãos que recebem aquela verba. Deixou de destinar tudo ao PIG (como faziam FHC e os outros), para dividir entre 8 mil órgãos de mídia espalhados de norte a sul do país. Quem lê a matéria entende que Lula democratizou a distribuição da verba. Mas e quem lê o título, de passagem pela banca de jornal ou pelo UOL? O truque é induzir o leitor a se achar esperto: “por isso tem 87% de aprovação! Lula aumentou a publicidade em 1500%!” – “Lavagem cerebral, tá tudo dominado!” – diria o extinto comediante do extinto Casseta & Planeta, Marcelo Madureira. “Pura propaganda, nunca saiu do papel, é só imagem! - diriam Reinaldo Azevedo, Miriam Leitão e Josias de Souza. “O homem nunca pisou na lua!” – diriam os mais “bem informados”…

O problema não é o PIG. Eles que tenham a liberdade de expressão para afirmar que o céu é amarelo. Pouco importa. O que importa mesmo, é que fontes de informação alternativas ao PIG sejam amplificadas para terem o mesmo peso e abrangência. Até mesmo a blogosfera. Para que a informação não venha em via única, definitiva, como foi até pouco tempo. Que se possa dizer que o céu é azul com a mesma intensidade com que o PIG diz que é amarelo. E deixar o leitor/telespectador decidir o que ver e no que acreditar. Como foi o caso da “bolinha de papel”. Isso é LIBERDADE DE IMPRENSA! É este o cerne da questão. Não precisamos e não nos faria bem algum censurar Globo, Falha, Estadão e Veja. São um PIG necessário. Pode-se dizer vital, até. Muito melhor é detectar seus movimentos golpistas e suas mentiras. Muito melhor promover o debate e denunciar suas intenções em cada mentira. Pior seria o silêncio dos conspiradores invisíveis.

Na semana que antecedeu a posse de Dilma – mesmo com os índices de 87% de aprovação em todas as camadas sociais do povo brasileiro – a Falha tratou de desmerecer o governo e o presidente diariamente. Como se fossem os últimos cartuchos. Suas manchetes pareciam aquelas sobras de rojão do dia seguinte. Queima antes de perder a validade! Ao mesmo tempo é um prelúdio: o PIG pretende desmoralizar, desqualificar, minimizar e tirar todos os créditos do presidente Lula. Fará isso incansavelmente, para todo o sempre. Pretende reescrever a história. Não é à toa que o governo registrou em cartório 6 volumes descrevendo tudo o que foi feito nos últimos 8 anos e mais o que está em andamento. Calejado por 3 décadas de golpes baixos por parte do PIG, Lula sempre esteve um passo à frente deles.

*terrordonordeste


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