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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, junho 22, 2012

A crise no Paraguai e a estabilidade continental

Toda unanimidade é burra, dizia o filósofo nacional Nelson Rodrigues. Toda unanimidade é suspeita, recomenda a lucidez política. A unanimidade da Câmara dos Deputados do Paraguai, em promover o processo de impeachment contra o presidente Lugo, seria fenômeno político surpreendente, mas não preocupador se não estivesse relacionado com os últimos fatos no continente.
Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner enfrenta uma greve de caminhoneiros, em tudo por tudo semelhante à que, em 1973, iniciou o processo que levaria o presidente Salvador Allende à morte e ao regime nauseabundo de Augusto Pinochet. Hoje, todos nós sabemos de onde partiu o movimento. Não partiu das estradas chilenas, mas das maquinações do Pentágono e da CIA. Uma greve de caminhoneiros paralisa o país, leva à escassez de alimentos e de combustíveis, enfim, ao caos e à anarquia. A História demonstra que as grandes tragédias políticas e militares nascem da ação de provocadores.
O Paraguai, nesse momento, faz o papel do jabuti da fábula maranhense de Vitorino Freire. Ele é um bicho sem garras e sem mobilidade das patas que o faça um animal arbóreo. Não dispõe de unhas poderosas, como a preguiça, nem de habilidades acrobáticas, como os macacos. Quando encontrarmos um quelônio na forquilha é porque alguém o colocou ali. No caso, foram o latifúndio paraguaio – não importa quem disparou as armas – e os interesses norte-americanos. Com o golpe, os ianques pretendem puxar o Paraguai para a costa do Pacífico, incluí-lo no arco que se fecha, de Washington a Santiago, sobre o Brasil. Repete-se, no Paraguai, o que já conhecemos, com a aliança dos interesses externos com o que de pior há no interior dos países que buscam a igualdade social. Isso ocorreu em 1954, contra Vargas, e, dez anos depois, com o golpe militar.
Não podemos, nem devemos, nos meter nos assuntos internos do Paraguai, mas não podemos admitir que o que ali ocorra venha a perturbar os nossos atos soberanos, entre eles os compromissos com o Mercosul e com a Unasul. Mais ainda: em conseqüência de uma decisão estratégica equivocada do regime militar, estamos unidos ao Paraguai pela Hidrelétrica de Itaipu. O lago e a usina, sendo de propriedade binacional, se encontram sob uma soberania compartida, o que nos autoriza e nos obriga a defender sua incolumidade e o seu funcionamento, com todos os recursos de que dispusermos.
Esse é um aspecto do problema. O outro, tão grave quanto esse, é o da miséria, naquele país e em outros, bem como em bolsões no próprio território brasileiro. Lugo pode ter, e tem, todos os defeitos, mas foi eleito pela maioria do povo paraguaio. Como costuma ocorrer na América Latina, o povo concentrou seu interesse na eleição do presidente, enquanto as oligarquias cuidaram de construir um parlamento reacionário. Assim, ele nunca dispôs de maioria no Congresso, e não conseguiu realizar as reformas prometidas em campanha.
Lugo tem procurado, sem êxito, resolver os graves problemas da desigualdade, da qual se nutriram líderes como Morínigo e ditadores como Stroessner. Por outro lado, o parlamento está claramente alinhado aos Estados Unidos – de tal forma que, até agora, não admitiu a entrada da Venezuela no Tratado do Mercosul.
O problema paraguaio é um teste político para a Unasul e o conjunto de nações do continente. As primeiras manifestações – entre elas, a da OEA – são as de que não devemos admitir golpes de estado em nossos países. Estamos, a duras penas, construindo sistemas democráticos, de acordo com constituições republicanas, e eleições livres e periódicas. Não podemos, mais uma vez, interromper esse processo, a fim de satisfazer aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos, associados à ganância do sistema financeiro internacional e das corporações multinacionais, sob a bandeira do neoliberalismo.
Os incidentes na fronteira do Paraguai com o Brasil, no choque entre a polícia e os camponeses que ocupavam uma fazenda de um dos homens mais ricos do Paraguai, Blas Riquelme, são o resultado da brutal desigualdade social naquele país. Como outros privilegiados paraguaios, ele recebeu terras quase de graça, durante o governo corrupto e ditatorial de Stroessner e de seus sucessores. Entre os sem-terra paraguaios, que entraram na gleba, estavam antigos moradores na área, que buscavam recuperar seus lotes. Muitos deles pertencem a famílias que ali viviam há mais de cem anos, e foram desalojados depois da transferência ilegítima da propriedade para o político liberal. E há, ainda, uma ardilosa inversão da verdade. A ação policial contra os camponeses era e é, de interesse dos oligarcas da oposição a Lugo, mas eles dela se servem para acusar o presidente de responsável direto pelos incidentes e iniciar o processo de impeachment. É o cinismo dos tartufos, semelhante ao dos moralistas do Congresso Brasileiro, de que é caso exemplar um senador de Goiás.
Quando encerrávamos estas notas, a comissão de chanceleres da Unasul, chefiada pelo brasileiro Antonio Patriota, estava embarcando para Assunção, a fim de acompanhar os fatos. Notícias do Paraguai davam conta de que os chanceleres não serão bem recebidos pelos que armaram o golpe parlamentar contra Lugo, e que se apressam para tornar o fato consumado – enquanto colunas do povo afluem do interior para Assunção, a fim de defender o que resta do mandato de Lugo.
Tudo pode acontecer no Paraguai – e o que ali ocorrer nos afeta; obriga-nos a tomar todas as providências necessárias, a fim de preservar a nossa soberania, e assegurar o respeito à democracia republicana no continente.
 

Governo brasileiro considera que impeachment é golpe de Estado

A presidenta Dilma Rousseff informou, por meio de sua assessoria, que acompanha com “apreensão” a situação política no Paraguai. Presidentes dos países da Unasul (formada por Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela) fazem uma reunião de emergência na tarde desta quinta-feira (21) durante a Rio+20 para discutir a situação política no país.
Até o momento, o governo brasileiro soube da votação de um impeachment do presidente Fernando Lugo pela Câmara do país. A votação pelo Senado deve ocorrer nesta quinta-feira (21) à tarde.
O sentimento dentro do governo brasileiro, embora ainda ninguém do entorno da presidente fale em público, é que o “impeachment” de Lugo teria o efeito de um golpe de Estado – pela rapidez e forma com que está sendo conduzido. O Brasil deverá reagir condenando tal desfecho.

Unasul

O anúncio da reunião da Unasul foi feito pelo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, que também preside o grupo diplomático. Confirmaram presença, além do próprio Santos, os presidentes do Brasil (Dilma Rousseff), da Bolívia (Evo Morales) e do Equador (Rafael Correa).
"Defendemos os princípios democráticos e esta posição para nós é fixa, concreta e inegociável. É a posição que levaremos a qualquer reunião sobre qualquer situação: defenderemos as democracias, as vontades dos povos soberanos", afirmou Santos antes da reunião.

Não renuncio

Lugo afirmou, nesta quinta-feira (21), em cadeia nacional, que se submeterá ao julgamento político, mas que a vontade pública está sendo alvo de um ataque “de setores que sempre se opuseram à mudança”.
O policiamento na capital foi reforçado. No centro de Assunção, as lojas foram fechadas e o policiamento reforçado por temor de confrontos entre apoiadores de Lugo e opositores.
O paraguaio teria ligado para presidentes do bloco e confirmado que não tem intenção de renunciar.

O Golpe

A pressão política sobre Lugo cresceu nas últimas horas com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de um processo de impeachment, sob o argumento de responsabilidade no confronto entre policiais e camponeses que deixou 17 mortos na última sexta-feira (15). O confronto provocou a morte de 11 trabalhadores e 6 agentes policiais.
Na semana que vem (dias 28 e 29) está programada uma reunião dos países integrantes do Mercosul em Mendoza, na Argentina. Por causa dessa ameaça de instabilidade institucional no Paraguai, a presidenta Dilma cogita a possibilidade de antecipar o encontro.
 *comtextolivre

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