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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, junho 08, 2012

Sobre a descriminalização das drogas

Recebi por e-mail do jornalista Moacir José, o texto abaixo de uma carta enviada ao Jornal da CBN, programa de rádio do Sistema Globo, e dou divulgação. Pelo que entendi a rádio CBN não divulgou a mensagem abaixo, mas apenas o registro da entrevista abaixo citada.
De toda forma, registro a opinião do colega, sugerindo aos leitores do blog que debatam agora o tema, pois criticar depois que a le-gislação for aprovada não adianta nada. As críticas devem ser feitas antes, de forma a subsidiar os legisladores com a opinião dos cidadãos. O fato de qualquer leitor do blog ter uma opinião e efetuar um comentário não o torna criminoso, se for a favor da descriminalização das drogas, e nem tampouco uma madre Tereza de Calcutá se for contra.
Leiam e comentem, debatam, esta é uma atitude cidadã!
Sobre a descriminalização das drogas
por Moacir José *
Sobre a entrevista do procurador da República Luís Carlos Gonçalves, membro da comissão de juristas que propôs a descriminalização parcial de drogas, como parte da reforma do Código Penal. A entrevista foi concedida ao Jornal da CBN, do apresentador Milton Jung, na manhã da quarta feira da semana passada, dia 30 de maio.
Fiz o seguinte comentário:
Acho que o procurador está equivocado quando imagina que essa medida, se aprovada, vá ter um efeito contrário, ou seja, o de, ao invés de reduzir as prisões de pessoas portadoras de drogas, vai aumentar o número de detenções. Pelo simples fato de que já há hoje uma tolerância aos portadores de drogas para consumo próprio, motivada justamente porque não haveria prisões suficientes para encarcerar esse universo de pessoas, que, ao que parece, aumenta a cada dia. Questionar esse fato (o do aumento do consumo) é muito importante, mas não é o caso de analisá-lo agora
O que se deve entender é que a descriminalização para quem porta drogas para consumo parte da idéia de que esse indivíduo não é, a priori, um criminoso, porque o único crime que está cometendo é o de comprar algo que é ilegal. E por que é ilegal? Porque em algum momento do passado considerou-se que o entorpecente poderia levar o indivíduo a cometer algum delito. É uma possibilidade, assim como é possível que uma pessoa embriagada atropele e mate outra pessoa. Melhor do que proibir o consumo, porém, seria aumentar a pena de quem comete algum crime sob efeito de qualquer droga, inclusive o álcool.
Descriminalizar, nesse sentido, significa partir do princípio de que o consumo e os efeitos danosos dos entorpecentes, se os houver, ocorrerão, a princípio, no próprio consumidor. É, portanto, um risco de saúde individual.
Por outro lado, o procurador está correto ao apontar a contradição (que, por sinal, até agora serviu de argumento aos opositores da descriminalização) de que se o consumidor não deve ser penalizado qual seria a lógica em se criminalizar o traficante
Aí é que reside o ponto da transformação. Ao permitir, na mesma lei, que a produção para consumo próprio também seja legalizada, abre-se a possibilidade de se legalizar também a produção e comercialização em pequena escala destinada àqueles que não tenham condições de produzir para consumo próprio. E essa legalização teria de vir acompanhada de uma elevada cobrança de imposto, semelhante à aplicada a cigarros e álcool, de forma a que o Estado se aproprie das vultosas quantias movimentadas hoje pelo tráfico – e que tantos prejuízos causam à sociedade, a começar pela violência.
A partir desse momento, isola-se o traficante das duas pontas – produção e consumo – e abre-se a possibilidade de o Estado sangrar o tráfico através do confisco de qualquer droga que não tenha sido produzida de forma legal, com sua posterior venda aos consumidores.
Com esses recursos é que se poderá bancar não só programas eficientes de tratamento de dependentes (que, acredito, sejam uma minoria), como também bancar campanhas de esclarecimento sobre os malefícios do consumo contumaz de drogas e de prevenção para que elas não alcancem jovens e crianças.
* o autor é jornalista, de São Paulo, capital.
*DesabafoBrasil

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