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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, abril 19, 2013


Posted: 18 Apr 2013 06:12 PM PDT
MaiakovskHá 130 anos, no dia 19 de julho de 1893, numa pequena aldeia de Bagdádi, na Geórgia, nascia Vladimir Vladimirovitch Maiakovski. Filho de Vladimir Konstantinovitch e Aleksandra Aleksieievna – ambos camponeses pobres –, Maiakovski tinha duas irmãs mais velhas: Liudmila e Olga.
A infância miserável – sobretudo após a transferência forçada de sua família para Moscou, após a morte de seu pai, em 1906 – e o contato precoce com o movimento revolucionário que despontava na Rússia marcariam para sempre a vida de Maiakovski.
Nessa época, todo o Império Russo foi sacudido pelas lutas sociais. Em 1905, após o massacre da polícia czarista a milhares de trabalhadores – também conhecido como o “Domingo Sangrento” – explodiram em vários cantos do País manifestações de operários, camponeses e soldados exigindo o fim da monarquia e a instauração de uma República Democrática. Era a Revolução de 1905. Maiakovski, com apenas 12 anos, que então já acompanhava os acontecimentos políticos através de jornais e panfletos socialistas, integrou-se ativamente às manifestações.
A partir daí, o jovem Maiakovski passa a ler vorazmente a literatura marxista. Em 1908, abandona o ginásio e entra para a ala bolchevique do Partido Operário Social-Democrata da Rússia (POSDR). Executa tarefas de propaganda em círculos operários. Chegou a ser eleito para o comitê municipal de Moscou. Era conhecido como camarada Constantin.
Maiakovski é preso pela primeira vez em 1908 numa tipografia clandestina, mas logo depois é liberado. Após se envolver na libertação de um conjunto de militantes do Partido que cumpriam pena, é preso novamente em 1909. Seu cárcere dura onze meses. Na prisão, lê muito, principalmente os clássicos da literatura – Dostoievski, Tolstoi, Gogol, Pushkin – e escreve poemas.
Desatai o futuro!
Ao sair da prisão, decide aprofundar seus conhecimentos em arte. Entra, então, para a Escola de Belas Artes de Moscou para estudar pintura. Lá conhece o pintor e poeta David Burliuk e, juntamente com outros artistas, lança, em 1912, o manifesto “Bofetada no gosto público”, criando o movimento cubo-futurista russo.
Revolta contra as amarras do passado, destruição do culto estéril dos clássicos, busca por inovações nas formas de expressão artística eram as características fundamentais do movimento. Seus integrantes foram fortemente criticados, até serem expulsos da Escola de Belas Artes. O futurismo russo diferenciava-se muito do futurismo surgido na Itália, sob a direção de Marinetti. Enquanto este passou a defender abertamente a guerra imperialista (e tempos depois o fascismo de Benito Mussolini), os futuristas russos abraçaram, quase em uníssono, a vitoriosa Revolução de Outubro de 1917, incorporando-se à construção da nova sociedade. O próprio Maiakovski foi quem disse: “Aderir ou não aderir? Esta questão não se colocava para mim (nem para os outros futuristas moscovitas). Era a minha revolução. Eu fui ao Smolny. Trabalhei em tudo que me vinha às mãos”. Seus versos de luta eram cantados pelos soldados do Exército Vermelho enquanto ocupavam o Palácio de Inverno: “Come o ananás, mastiga a perdiz,/Teu último dia está chegando, burguês!”.
A arte é indústria, o artista é operário
maiakovskMaiakovski trabalhou febrilmente pela Revolução. Seu objetivo maior era forjar uma arte renovada, tanto na forma como no conteúdo, capaz de elevar a cultura geral das massas e prepará-las para os enormes desafios da nova pátria soviética. No poema “O poeta-operário”, afirma que a arte é um trabalho, uma produção que deve ter um sentido concreto, imediato, um valor social útil, tal como a produção dos bens materiais da sociedade. Por isso, defendia a opinião de que o artista revolucionário deve encarar-se como um trabalhador, um operário das artes, “a esculpir a tora da cabeça humana” e a “pescar homens vivos”. Somente assim conseguirá fundir-se com o povo e transformar sua obra artística em produtos de consumo úteis para os trabalhadores.
Sua poesia expressa muito bem essa confiança e a admiração inquebrantável pela Revolução, como parteira do novo mundo e do novo homem, livres da exploração. “Nossa Marcha”, “À Esquerda”, “Versos sobre o passaporte soviético”, “Nós, os Comunistas”, “150 milhões”, “A plenos pulmões” são apenas alguns exemplos. É dele também o épico “Vladimir Ilitch Lênin”, poema com mais de três mil versos em homenagem ao chefe maior da Revolução, falecido em 1924. Maiakovski não cansava de repetir, nas palestras e recitais que fazia por toda a União Soviética e nos países que percorreu: “Sem o comunismo não existe amor”.
O poeta solar resplandece!
Além da poesia, escreveu ensaios teóricos, peças de teatro e roteiros para cinema. Atuou – a maioria das vezes como ator principal – e ajudou a conceber os cenários e figurinos das montagens de seus textos. Durante a guerra civil, entre 1918 e 1921, esteve à frente da Rosta (sigla em russo da Agência Telegráfica Russa), pintando inúmeros cartazes de agitação e propaganda. Em todas essas obras promovia a emulação socialista, incitando o povo a impulsionar a produção econômica e a lutar contra os inimigos, internos e externos, da revolução e contra os resquícios da moral burguesa, como o individualismo e o burocratismo. Manteve contatos estreitos e projetos paralelos com outros grandes nomes da arte soviética, como Máximo Gorki, Serguei Eisenstein e Dziga Vertov, o compositor Shostakovitch e o dramaturgo Meyerhold.
A todos!…
Eu morro, não culpeis disso a ninguém.
E nada de falatórios. O defunto tinha horror a isso.
Mamãe, minhas irmãs, meus camaradas, perdoem-me, isto não é um meio (não o aconselho a ninguém), mas para mim não há outra saída.
Lili, ama-me.
Camarada governo, minha família é Lilia Brik1, mamãe, minhas irmãs e Verônica Votoldnovna Polonskaia: Se tu lhes torna a vida possível, obrigado.
Os poemas começados dai-os aos Brik. Neles reencontrarão.
Como se diz:
“O incidente está encerrado”
o barco do amor
quebrou-se contra a vida cotidiana
estou quite com a vida
Inútil passar em revista
                            As dores
                            As desgraças
                            E os erros recíprocos.
     Sede felizes!
                                        V.M.
Com estas trágicas palavras, Vladimir Maiakovski despedia-se do mundo. Suicidou-se com um tiro no peito em 14 de abril de 1930, com quase 38 anos.
A comoção foi geral. Morria um dos artistas mais proeminentes, versáteis, entusiasmados e populares da história soviética e “o melhor, o mais talentoso poeta da nossa era soviética”, nas palavras de Stálin.  Seu funeral contou com a presença de aproximadamente 150 mil pessoas. Em “A extraordinária aventura acontecida a Vladimir Maiakovski”, escrita em 1920, descreve-se um fabuloso encontro: o poeta desafia o sol a descer do céu para fazer-lhe uma visita. Este aceita o convite e os dois logo se tornam amigos. Por fim, fazem o pacto de brilhar eternamente, cada um à sua maneira, com seus “feixes de luz e versos”, para eliminar as trevas do mundo. Neste belíssimo poema, Maiakovski resume a essência revolucionária de sua vida e sua obra, inteiramente dedicadas à alvorada comunista da humanidade, que ainda nos dias atuais povoa a esperança e a luta dos homens e mulheres em todo o globo:
Iluminar para sempre
Iluminar tudo
Até os últimos dias da eternidade
Iluminar!
O resto não importa.
Tal é o meu lema,
Igual ao do sol.
Jonatas Henrique, Belo Horizonte

Notas:
1 Lília Brik (1891-1978): escritora russa, casada com o pintor Óssip Brik. Maiakovski conheceu o casal em 1915 e desde então o poeta manteve um romance conturbado com Lilia. “A Flauta-Vértebra”, “Amo”, “A propósito disto”, “Guerra e Paz – Dedicatória”, “Minha Pequena Lília: Para servir de carta”, são alguns dos escritos dedicados a ela.
Bibliografia:
- MAIAKÓVSKI, Vladimir. Maiakovski: vida e poesia. São Paulo: Martin Claret, 2006. 218p.
- SCHNAIDERMAN, Boris. A poética de Maiakovski. São Paulo: Perspectiva, 1971. 300p. (Debates, 39)
- RIPELLINO, Angelo Maria. Maiakovski e o teatro de vanguarda. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1986. 281p. (Debates, 42)
*Averdade 

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