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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, junho 13, 2013

ESPIONAGEM E O CINISMO DE BARRACK OBAMA

(JB)- O mundo não conseguiu ainda sair do espanto causado pelas revelações do soldado Bradley Manning — cujo julgamento por traição começou há dias — e uma denúncia ainda mais grave foi encaminhada ao Guardian pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden. O denunciante era, até o dia 20 de maio, um dos maiores especialistas em segurança de informações da Booz Allen, contratada pelo governo norte-americano para assessorar a NSA (Agência Nacional de Segurança). 

De acordo com os documentos oficiais, filtrados por Snowden, e não desmentidos, Obama determinou a invasão dos sistemas de comunicação eletrônicos do mundo inteiro — também no próprio território norte-americano. Os meios técnicos permitem aos invasores capturar mensagens e documentos, apagar, reescrever, reendereçar e-mails. Mais ainda: os hackers oficiais poderão intervir no sistema de comandos dos computadores. Em tese, e de acordo com a tecnologia disponível, serão capazes de alterar a rota dos aviões, provocar incidentes militares nas fronteiras, falsificar telegramas diplomáticos, de forma a intrigar governos contra governos.

Atos de espionagem e de provocação são comuns na História, mas os meios tecnológicos de hoje os tornam catastróficos. A única esperança de que planos como o do presidente Obama sejam divulgados está nos cidadãos dos próprios países agressores que, os conhecendo, como é o caso de Bradley Manning e de Edward Snowden, se disponham a denunciá-los ao mundo.

Snowden, como Manning, é um homem ainda jovem. Aos 29 anos, ganhando um bom salário, de 200 mil dólares brutos por ano, vivia com conforto no Havaí, com sua jovem namorada, quando, ao tomar conhecimento das 18 páginas das diretivas de Obama aos serviços de segurança, resolveu revelá-los.

O governo norte-americano tenta minimizar a gravidade da denúncia, ao afirmar que um tribunal criado para supervisionar os serviços de informação e segurança aprovou a medida, da qual, também as comissões especiais do Congresso tomaram conhecimento e lhe deram endosso.

Há várias questões postas, que devem ser examinadas com serenidade. Em primeiro lugar, aquela velha presunção norte-americana de que eles foram predestinados ao domínio universal, e foi definida pelo senador Fullbright como "a arrogância do poder". Sentindo-se os mais poderosos, assim como os soberanos, julgam-se irresponsáveis pelos seus atos e inimputáveis. Não consideram que haja acima deles nenhum poder punitivo. Seus fundamentalistas protestantes, entre eles Bush II, acreditam agir com a cumplicidade de Deus. Foi assim que o então presidente justificou a segunda guerra contra o Iraque: — em conversa com o Todo-Poderoso, dele ouviu a ordem de caçar Saddam Hussein e eliminá-lo.

Outra lição do fato é a de que não há mais segredos no mundo, principalmente quando o rege a lógica do mercado. Há, de acordo com as informações oficiais, 25 mil pessoas envolvidas no sistema nacional de segurança dos Estados Unidos, a maior parte delas funcionárias de empresas privadas, como a Booz Allen, cujo faturamento, em 98%, é obtido em contratos com a Agência Nacional de Segurança. É impossível, assim, manter essas operações em sigilo.

Outra grande surpresa é o cinismo do presidente Barack Obama, que irrompeu no cenário norte-americano como aquele predestinado a recuperar os mais altos valores dos "pais fundadores" da grande república. Na campanha eleitoral de 2008, ele qualificou os vazamentos do mau comportamento do governo como "atos de coragem e patriotismo, que podem, muitas vezes, salvar vidas e, com frequência, poupar dólares dos contribuintes, e devem ser encorajados, em lugar de combatidos", como ocorria durante a administração Bush.

Na reação contra Manning e Assange, Obama absolve o "guerreiro" Bush. Snowden, em entrevista ao Guardian, diz que se sente mais ou menos seguro em Hong Kong, aonde chegou há três semanas. Mas os republicanos do Congresso pediram ao governo que exija a sua extradição. Como se sabe, a autonomia da antiga colônia britânica é limitada: o território está sob a soberania estatal chinesa. Será interessante verificar se o governo chinês decidirá acatar um pedido de extradição que um pequeno país, como o Equador, se nega a atender, no caso de Julián Assange.

Os observadores se dividem, na previsão do que virá a ocorrer, diante desse novo escândalo mundial. A maioria, com a mente já colonizada pela hegemonia norte-americana, acha que nada há a fazer. Em suma, é inevitável aceitar o mando norte-americano, para que nos salvemos do "terrorismo islamita", assim como foi melhor aceitar as inconveniências da Guerra Fria, para que nos livrássemos do comunismo ateu.

Há, no entanto, os que sabem ser necessária uma aliança da inteligência e da dignidade dos homens, a fim de reagir, enquanto há tempo, contra essa tirania universal. 


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