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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, junho 02, 2013

Frei Betto questiona: O que é Arte?

1/6/2013 12:43
Por Frei Betto - do Rio de Janeir

Arte e Cultura: liberdade
Arte e Cultura: liberdade
Sabemos, hoje, reconhecer uma obra de arte? O que conta mais, a fama do artista ou a qualidade da obra? Quem decide o valor de uma obra, o prestígio alcançado por ela na mídia ou seus atributos estéticos?
O jornal Washington Post decidiu testar gosto e cultura artísticos do público. Levou um violinista para uma estação de metrô da capital dos EUA. Durante 45 minutos, ele tocou Partita para violino no. 2 de Bach; Ave Maria de Schubert; e peças de Manuel Ponce, Massenet e, de novo, Bach.
Eram oito horas de uma manhã fria. Milhares de pessoas circulavam pelo metrô. Quatro minutos após iniciar o concerto subterrâneo, o músico viu cair a seus pés seu primeiro dólar, atirado por uma mulher que não parou. Quem mais lhe deu atenção foi um menino que teria entre três e quatro anos de idade. Porém, a mãe o arrastou, embora ele mantivesse o rosto virado para o violinista enquanto se distanciava.
Durante todo o tempo do concerto improvisado, apenas sete pessoas pararam um instante para escutar. Cerca de vinte jogaram dinheiro sem deter o passo. Ao todo, trinta e dois dólares e dezessete centavos no pote a seus pés. Quando cessou a música, ninguém aplaudiu.
O músico era o estadunidense Joshua Bell que, dois dias antes, havia dado um concerto no Teatro de Boston, lotado de apreciadores que pagaram US$ 100 por um ingresso. Seu violino era um Stradivarius fabricado em 1713 e adquirido por quase US$ 4 milhões. Bell é professor no Massachusetts Institute Technology e na Royal Academy of Music de Londres.
Bell fez, em solo, a trilha sonora dos filmes O violino vermelho, que mereceu o Oscar, e Mulheres de lavanda. Sua primeira gravação, em 2003, pela Sony Classical, foi Romance of the violin, que vendeu 5 milhões de cópias.
Bell é um músico de prestígio internacional. No entanto, nessa sociedade neoliberal hegemonizada pelo paradigma do mercado, ele era um “produto” colocado na prateleira errada. Estava no metrô. Como se o fato de estar em local público tornasse sua música de menos qualidade. Estivesse um músico medíocre no palco do Teatro de Boston com certeza teria sido ovacionado.
Fica uma pergunta: temos prestado atenção na qualidade das coisas? Ou nossas cabeças são feitas pela mídia estimuladora do consumismo, que nos impõe gato por lebre?
Van Gogh jamais vendeu uma tela enquanto viveu, exceto a que seu irmão Theo, que era marchand, comprou na tentativa de ajudá-lo. Sem dinheiro para pagar o médico, o pintor presenteou-o com a tela Rapaz de quepe. O doutor, do alto de seu preconceito elitista, considerou que nada de valor poderia sair dos pincéis de um louco… Aproveitou o quadro para tapar um buraco no galinheiro de sua casa… Há pouco esta tela foi vendida por US$ 15 milhões!
Frei Betto é escritor, autor do romance Aldeia do Silêncio (Rocco), entre outros livros.
http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
*correiodobrasil

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