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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, junho 29, 2014

Espaços urbanos são para atender o interesse coletivo, não o particular

Fernando Haddad elimina cerca de quarenta mil estacionamentos de automóveis nas vias para garantir espaço para ciclovias.


José Augusto Valente
wikimedia commons
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, toma a segunda medida importante para garantir a melhoria do trânsito – e da vida – na cidade. A primeira foi ampliar e fiscalizar o uso de corredores exclusivos de ônibus, medida iniciada por Marta Suplicy e descontinuada por Serra e Kassab. A segunda, eliminar cerca de quarenta mil estacionamentos de automóveis nas vias, para garantir espaço para ciclovias.
 
Sem precisar entrar em detalhes em relação ao problema, que é do conhecimento de todos, temos convicção em afirmar que a política a ser adotada, para melhorar o trânsito e a vida das pessoas em São Paulo, é a de restringir a circulação de automóveis particulares e - no curto, médio e longo prazo - investir em infraestrutura e legislação que priorize o transporte público. Essa restrição não é temporária, mas um caminho sem volta, em cidades como São Paulo. Fugir disso é querer aumentar o problema.
 
Os milhões de carros particulares que circulam diariamente em São Paulo se apropriam de grande parte dos espaços viários e urbanos, muitas vezes com apenas uma pessoa no seu interior. Enquanto isso, milhões de pessoas, nos transportes coletivos, são espremidas nos reduzidos espaços deixados por aqueles.
 
As tentativas de soluções, implantadas nos últimos quarenta anos, como viadutos, mergulhões, elevados e estacionamentos subterrâneos só fazem sentido se dentro de uma política de restrição ao automóvel e favorecimento dos ônibus, táxis, caminhões, motos, bicicletas e pedestres. Fora dessa política, é dinheiro jogado fora, já que a principal causa do problema não é atacada de frente. Quanto mais automóvel em circulação, mais congestionamento, mais obras para permitir a maior circulação de automóveis, mais automóveis em circulação. Esse é o ciclo vicioso que precisa ser quebrado, já que é finita e bastante limitada a capacidade de alocação de recursos pelo poder público.
 
Quais as principais ações, em nossa opinião e de muitos especialistas, a serem desenvolvidas pela Prefeitura e pelo Governo do Estado de São Paulo, tendo como referência o que foi realizado em grandes cidades, como Londres e Paris?
 
- Implantação do pedágio urbano, com a aplicação dessa receita na conclusão dos corredores de ônibus, ciclovias e melhoria das condições para o pedestre
 
- Completar a implantação de corredores exclusivos de ônibus
 
- Elevar as tarifas de estacionamento nas áreas centrais e redução das áreas disponíveis
 
- Ampliar a capacidade da malha física e as operações ferroviárias (trens e metrô)
 
- Implantar malhas de ciclovias e projetos semelhantes ao que existe no Rio e no DF, com a disponibilização de milhares de bicicletas para circulação nas áreas centrais
 
- Ampliar as restrições via rodízio, até a completa implantação do pedágio urbano
 
- Aumentar o rigor na fiscalização e retirar veículos irregulares de circulação
 
- Racionalizar a circulação e os horários de carga e descarga dos caminhões, lembrando sempre que eles são vitais para o funcionamento da cidade
 
- Concluir todo o anel rodoviário de São Paulo, já que uma grande quantidade de veículos tem origem e destino fora da cidade e que não há motivo para circular pelas suas ruas e avenidas
 
As medidas restritivas causarão algum incômodo inicial, especialmente naqueles que acabaram de ascender ao privilegiado círculo dos proprietários de automóveis. No entanto, como elas serão eficazes, não só melhorará muito o transporte público como essas pessoas poderão utilizar seu carro em inúmeras situações, regiões, dias e horários não atingidos pelas restrições e ter a sua mobilidade e conforto em grande parte atendida.
 
O principal: a vida melhorará para todos e a indústria automobilística poderá continuar seu atual nível de produção, sem levar a parcela de culpa que tentam, erroneamente, lhe imputar.
 
Há um entendimento – equivocado - de que primeiro os governos têm que providenciar transporte de massa para, só então, restringir a circulação de veículos particulares. É uma proposta bonita, mas inviável no médio prazo, por ser muito caro e demorado para viabilizar.
 
 
Em cidades como Londres, que têm extensa malha metroferroviária, muito pouca gente deixava o automóvel em casa para usar o transporte coletivo. Somente a restrição aos carros particulares poderia garantir mais espaço para o coletivo. O pedágio urbano e a restrição de estacionamento, em áreas de muito trânsito, foi o que resolveu.
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José Augusto Valente é especialista em Transportes e Logística.
 
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