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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, junho 21, 2014

Esse ambiente asfixiante, em que a sociedade vê que só três ou quatro famílias tem força para fazer uma crítica sistemática ao governo e pautar a agenda política nacional -

Gilberto Carvalho e os xingamentos à Dilma

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É impressionante o cerco da mídia, e especialmente do Globo, a qualquer tentativa do governo de promover algum tipo de avanço democrático. E ela joga sujo. Criminaliza o governo, criminaliza a política e criminaliza os movimentos sociais.
O ministro Gilberto Carvalho, da secretaria geral da Presidência da República, organizou ontem mais uma rodada de conversas com ativistas sociais, jornalistas (que por acaso são blogueiros) e representantes da sociedade civil. Eu participei da primeira, há algumas semanas, quando o decreto da presidência da república ainda não tinha virado polêmica. Eu mesmo nem sabia direito o que era. Hoje entendo melhor.
Eu queria comentar a forma como o Globo se referiu hoje aos participantes do encontro com o ministro.
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Para mim, blogueiro full time, é até positivo que o Globo alimente essa obsessão em chamar qualquer interlocutor do governo, que não pertença a grande mídia, de “blogueiro”.
Quer dizer, seria positiva, não se tratasse de uma estratégia espúria de desqualificação, de mais uma tentativa de criminalizar a política. Para a mídia, um blogueiro politico de esquerda é uma espécie de bandido. Para a mídia, é um pesadelo que seu mundinho encantando, cartelizado, com jornalistas subservientes à orientação ideológica de seus patrões, esteja sendo ameaçado por esses subversivos.
A ordem da mídia hoje é “delenda blogueiros”. A referência a eles é sempre negativa, sempre no sentido de desqualificar sua independência, seu profissionalismo, sua integridade, sua importância crescente no debate público.
Os barões não admitem que possam existir indivíduos com independência política. É uma maneira inclusive de justificarem a escravidão ideológica imposta a seus jornalistas: olha, vocês são escravos nossos; mas ao menos não são blogueiros sujos, bandidos, e, supra-sumo da infâmia, governistas!
Confira a lista de participantes:
Henrique Carlos Parra Filho, do Instituto SEVA;
Pablo Capilé, do Fora do Eixo;
Marcelo Branco, ativista do Software Livre;
Beatriz Tibiriça, do Coletivo Digital (participação remota);
Fred Vazquez, do Blogoosfero;
Bia Barbosa, do Intervozes;
Pedro Abramovay, do Open Society (participação remota);
Haydee Svab, do Transparência Hacker;
Jader Gama, do Puraque;
Daniel Marostegan, do Nós Digitais;
Sady Jacques, da Associação Software Livre;
Ivana Bentes, da UFRJ;
Adriano de Angelis, da RiAV (Rede de Inovação Audiovisual);
Renato Rovai, Revista Fórum (participação remota);
Dalton Martins, da Universidade Federal de Goiás (participação remota);
Vera Masagao, ABONG.
A Ivana Bentes é uma professora, uma intelectual. Não é “blogueira”.
O epíteto de “pró-governo” é uma tentativa vil de desqualificar as pessoas. É uma linguagem agressiva, militante, uma linguagem de… blogueiro. O Globo virou um grande blog de direita.
Por aí se vê o preço alto pago por qualquer agente político (que não tenha a simpatia da mídia, claro) disposto a dialogar com o governo. A mídia, porta-voz da direita, não admite que nenhum ativista ou blogueiro ganhe espaço de interlocução em Brasília. É impressionante o nível de agressividade com que temos sido atacados pelos grandes jornais. É tanto que até já achamos normal. Só que não é. O Globo chega ao cúmulo de telefonar para os patrocinadores dos blogs, num esforço espúrio de chantagem e asfixia econômica.
A matéria do Globo foi ilustrativa, porque na conversa os ativistas e blogueiros disseram exatamente isso ao ministro. Eles são agredidos apenas por conversar com o governo, e aí o governo vai e joga toda a sua verba de publicidade na mesma grande mídia que faz política descaradamente partidária contra o governo, e agride covardemente os ativistas políticos e os blogueiros.
Para o Globo, e para a mídia em geral, os únicos ativistas que prestam são os que apenas dialogam com ela, com a mídia.
*
A mídia, astuta, trabalha 24 horas por dia para derrubar o governo.
A prova disso está no viés absolutamente igual dos jornalões em relação às frases de Gilberto Carvalho, sobre os xingamentos à Dilma. Elas foram rapidamente manipuladas para tentar neutralizar a forte reação nas redes sociais contra o que se entendeu como um grande desrespeito não apenas à presidenta da república, mas ao Brasil, visto que se tratava da abertura da Copa do Mundo.
Eu separei o trecho do vídeo em que o ministro faz a afirmação. São apenas 4 minutos. Assista para entender o contexto.
Carvalho falou a verdade, mas cometeu um erro político crasso, derivado de uma leitura pobre de um episódio que produziu um marco simbólico fundamental no processo eleitoral deste ano.
Quando se fala que a “elite branca” (no meu caso, troquei a expressão para “endinheirados truculentos”) xingou Dilma, não quer dizer que a classe média, ou mesmo os pobres, estejam integralmente satisfeitos com as coisas no Brasil.
A expressão significa que o núcleo duro da oposição ao que ainda existe de qualidade popular no governo vem das camadas ricas da sociedade. É lá que nasce o ódio, a intolerância, o terrorismo ideológico. É de lá que vem os ataques mais perigosos.
As estatísticas são claras. O próprio Gilberto Carvalho deixa bem claro em sua fala: o ódio à Dilma é um sentimento que nasce nas elites, toma as classes médias e está “gotejando” para as classes populares.
Carvalho tropeçou porque não entendeu que a reação aos xingamentos à Dilma foi mais importante que os xingamentos em si, pois ajudaram a criar uma polarização política que, embora expressa nas pesquisas, ainda não tinha vindo à tôna nas redes sociais. O ódio vem de cima, vem dos ricos. Não de todos os ricos. Mas daqueles que se deixaram dominar pelo egoísmo social, pelo patrimonialismo, pelo preconceito.
É um ódio não apenas ao PT, mas à própria política, e à própria democracia. Um ódio que esteve sempre presente, tristemente presente, em nossa epopéia republicana.
À mídia não interessa uma polarização social neste sentido, porque ela sabe que eleições são ganhas com o voto do pobre.
Carvalho, de qualquer forma, fez uma autocrítica dura: ele diz que o governo não enfrentou o debate na mídia.
Ele lembrou uma das crises do início do governo Dilma, gerada por escândalos midiáticos relacionados a contratos de ministérios com ongs. A presidenta, ao invés de enfrentar o debate, preferiu, como fez sempre (Pasadena é o exemplo mais recente), reagir açodadamente, com medo de ficar mal nos jornais, e baixou um decreto que enrijeceu e dificultou a relação do governo com entidades sociais. Carvalho lembra de uma entidade que ficou um ano sem poder construir cisternas de água por causa desse decreto. Esta foi a principal razão, também admitiu Carvalho, para as dificuldades vividas pelos pontos de cultura.
A falta de experiência política da presidenta foi explorada facilmente pela mídia, que manipulava escândalos e elogiava a postura submissa de Dilma, como uma grande virtude republicana. Foi o momento em que Dilma viveu seus píncaros de popularidade, mas frágil porque embasada apenas numa imagem construída na grande mídia.
Dilma parece ter acreditado nesses elogios, que na verdade apenas se inscreviam numa estratégia política para debilitar seu governo e afastá-lo da sociedade. O governo foi se afastando, até que parou definitivamente de dialogar com os movimentos sociais. A estratégia de comunicação, por sua vez, se baseou em recuar cada vez mais, esconder-se, não dar entrevistas, não conversar com ninguém. O país ficou como que sem liderança, e as manifestações de rua nasceram desse sentimento de insegurança, de não saber para onde vamos, de não saber o que está acontecendo.
O resultado está aí. O desemprego nunca foi tão baixo no país, e ao mesmo tempo cresce a desaprovação social às políticas federais de combate ao desemprego! Uma contradição que só se explica pelo fracasso estrondoso da comunicação do governo. O chefe da Secom, Thomas Traumann, é um bom rapaz, bem intencionado e progressista, mas não é um quadro político. É provavelmente mais um jornalista preocupado onde vai trabalhar quando não for mais ministro: que grande jornal ou revista irá empregá-lo? E por isso jamais ousará enfrentar aqueles que irão empregá-lo no futuro. Por isso mesmo que eu acho que a Secom deveria ser ocupada por não-jornalistas. Por médicos, cientistas, servidores de carreira. Tudo menos jornalistas, por conflito de interesse.
A Secom deveria propor políticas públicas criativas que, independente de uma lei de mídia que não sabemos se sairá nessa década, poderiam ajudar a trazer mais pluralidade ao mercado de opinião política.
O governo parece não entender que uma mídia mais plural – na área política – enriqueceria a nossa democracia e modernizaria o país, contribuindo inclusive para elevar nossa produtividade econômica.
A pluralidade na mídia não deveria ser encarada como uma reforma de “esquerda”. Não é. Não necessariamente. É uma bandeira antes liberal. Ela vai além da ideologia, porque sua maior importância é permitir a materialização de valores democráticos. É com essa toada que se poderá legitimá-la junto a setores mais austeros da sociedade, hostis a qualquer tentativa de coibir a liberdade de imprensa, mas abertos a reformas que possam melhorar a qualidade da nossa democracia.
Eu editei a conversa de Carvalho com os ativistas. Cortei muitos trechos porque o vídeo tinha mais de duas horas, e separei o que me pareceu mais interessante. Recomendo fortemente que assistam. As intervenções de Pablo Capilé e Renato Rovai são muito boas. Capilé observa que será muito difícil falar de participação social sem trabalhar a regulação da mídia. Rovai observa que o governo precisa assumir mais riscos. A necessidade de um sistema público de comunicação mais ousado, mais profissional, mais criativo, e um plano de banda larga mais arrojado, foram citados como condições essenciais para o sucesso de qualquer esforço do governo para mobilizar espectros mais amplos da sociedade em defesa de seus projetos.
A intervenção de Bia Barbosa, do Intervozes, é muito inteligente. Ela explicou que o governo atrapalha a luta histórica pela democratização da mídia quando toca no assunto apenas quando está sob ataque da imprensa. Isso é um erro tático grosseiro, porque dá margem à interpretação de que se trata de um processo que visa silenciar a crítica. Não é isso. A democratização da mídia visa aumentar o número de vozes críticas ao governo e às autoridades. Hoje a própria crítica ao governo é monopólio da mídia. A população, quando quer criticar o governo, precisa parar o trânsito nas grandes cidades. Esse ambiente asfixiante, em que a sociedade vê que só três ou quatro famílias tem força para fazer uma crítica sistemática ao governo e pautar a agenda política nacional, também pode ser uma explicação para a explosão de insatisfação. E a prova disso foi a hostilidade à imprensa corporativa que vimos nas ruas.
Assista o vídeo do encontro de Gilberto Carvalho e alguns ativistas:
Charge2014-xingamentos-789393
*: http://www.ocafezinho.com/2014/06/19/gilberto-carvalho-e-os-xingamentos-a-dilma/#sthash.7wXCgNe5.dpuf

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