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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, junho 19, 2014

Por que a direita anda mais raivosa do que nunca?

Os barões das grandes corporações midiáticas perceberam que, para haver uma oposição de direita forte, é preciso uma ampla opinião pública direitista.


Charge de Vitor TeixeiraAntonio Lassance (*)


Faz tempo que as campanhas eleitorais são espetáculos dantescos, movidos por baixarias sem limites. Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral fica muitas vezes cuidando da perfumaria, os dinossauros reinam.

Mas há algo de novo nesta campanha.

A começar do fato de que boa parte da perversidade de campanha seguia, antes, o seguinte roteiro: denúncias na imprensa, primeiro em jornais e revistas, que depois se propagavam na tevê e no rádio e, finalmente, ganhavam a rua pela ação dos cabos eleitorais.

Agora, o roteiro é: denúncias pela imprensa, mas divulgadas primeiro via internet; propagação pelas redes sociais; repetição pela tevê e pelo rádio e, por último, sua consolidação  pelo colunismo e editorialismo da imprensa tradicional.

Embora essa imprensa ainda seja, normalmente, a dona da informação, seu impacto é cada vez menos medido pela audiência do próprio meio - que anda em declínio em praticamente todos os veículos tradicionais - e mais pela sua capacidade de propagação pela internet - blogs, redes sociais e canais de vídeo, principalmente pelo Youtube. E a versão que se propaga da notícia acaba sendo tão ou mais importante do que a notícia em si.

Antes, as pesquisas de opinião calibravam os rumos das campanhas. Nesta eleição, a internet é quem tende a ditar o ritmo. As pesquisas vão servir para aferir, tardiamente, o impacto de alguns assuntos que ganharam peso na guerrilha virtual.

Antes, o trabalho de amaldiçoar pra valer os adversários políticos era feito pelos cabos eleitorais que batiam de porta em porta. Agora, os cabos eleitorais que caçam votos perambulam pelos portais de internet, pelos canais de vídeo e entram nos endereços dos eleitores pelas redes sociais.

Uma outra diferença, talvez tão decisiva quanto essa, é que a direita resolveu aparecer. Antes, o discurso da direita era de que não existia mais esse negócio de "direita x esquerda".

A direita, finalmente, saiu do armário e anda mais raivosa do que nunca. Em parte, a raiva vem do medo de que, talvez, ela tenha perdido o jeito de ganhar eleições e de influenciar os partidos.

Por outro lado, a direita imagina que a atual campanha petista está mais vulnerável que em outras épocas. A raiva é explicada, nesse aspecto, pelo espírito de "é agora ou nunca".

Os bombardeios midiáticos raivosos têm assumido feições mais pronunciadamente ideológicas.

Ao contrário de outras eleições, os ataques têm não só mentiras, xingamentos e destemperos verbais de todos os tipos. Têm uma cara de pensamento de direita.
 
Querem não apenas desbancar adversários. Querem demarcar um campo.

Não é só raiva contra um partido. É ódio de classe contra tudo e contra todos os que se beneficiam (e nem tanto quanto deveriam) de algumas das políticas governamentais.

É ódio contra sindicatos de trabalhadores, organizações comunitárias, movimentos de excluídos (Sem Terra, Sem Teto), grupos em defesa de minorias e de direitos humanos que priorizam a crítica a privilégios sociais e aos desníveis socioeconômicos mais profundos.

A mídia direitista tem desempenhado um papel central. Sua principal missão é orientar os ataques para que eles tenham consequência política e ideológica no seio da sociedade brasileira.

Como sempre, a mídia é diretamente responsável por articular atores dispersos e colocá-los em evidência, conforme uma pauta predeterminada.

Embora seja uma característica recorrente, no Brasil, a mídia tradicional comportar-se como partido de oposição, nos últimos anos ela parece seguir uma nova estratégia.

Os barões das grandes corporações midiáticas brasileiras, com a ajuda de seus ideólogos, perceberam que, para haver uma oposição de direita forte, é preciso formar uma ampla opinião pública direitista.

Antes mesmo de cobrar que os partidos se comportem e assumam o viés de direita, é preciso haver uma base social que os obrigue a agir enquanto tal.
A mídia tradicional entendeu que os partidos oposicionistas são erráticos em seus programas e na sua linha política não por falta de conservadorismo de suas principais lideranças, mas pela ausência de apelo social em sua pregação.

Em função disso, coisas como o Instituto Millenium se tornaram de grande importância. O Millenium tem, entre seus mantenedores e parceiros, a Abert (controlada pelas organizações Globo) e os grupos Abril, RBS e Estadão. O instituto é também sustentado por outras grandes empresas, como a Gerdau, a Suzano e o Bank of America.

O Millenium tenta fazer o amálgama entre mídia, partidos e especialistas conservadores para gerar um programa direitista consistente, politicamente atraente e socialmente aderente.

O colunismo midiático, em todas as suas frentes, é outro espaço feito sob medida para juntar jornalistas, especialistas e lideranças partidárias dedicadas a reforçar alguns interesses contrariados por algumas políticas públicas criadas nos últimos 12 anos.

A estratégia midiática de reinvenção da direita brasileira representa, no fundo, uma tentativa desesperada e consciente dessa mesma mídia de reposicionar-se nas relações de poder, diante da ameaça de novos canais de comunicação e de novos atores que ganharam grande repercussão na opinião pública.

Com seu declínio econômico e o fim da aura de fonte primordial da informação, o veneno em seus anéis tornou-se talvez seu último trunfo no jogo político.


(*) Antonio Lassance é cientista político.
Créditos da foto: Charge de Vitor Teixeira
*CartaMaior

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