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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, maio 01, 2012

Antonio Gramsci: 75 anos de sua morte

Há exatamente 75 anos atrás, em 27 de abril de 1937, morreu Antonio Gramsci, comunista italiano.



O mundo de Gramsci
Por Guido Liguori
As Cartas do cárcere provavelmente não têm nenhum rival, na literatura italiana do século XX, em termos de testemunho de desinteresse pessoal, senso de dever, concepção alta da "missão do douto" e do político. É conhecido o trecho de uma carta à mãe em 10 de maio de 1928: "A vida é assim, muito dura, e os filhos devem às vezes trazer grandes sofrimentos para suas mães, se querem conservar sua honra e sua dignidade de homens. [...] no fundo, eu mesmo quis a prisão e a condenação [...] porque nunca quis mudar minhas opiniões, pelas quais estaria disposto a dar a vida e não só a ficar na prisão".


O mundo dos afetos familiares, mesmo sendo tão importante para Gramsci no cárcere, é posto em segundo plano; tem um limite insuperável no fato de que existe um dever superior, que se refere à esfera da ética pública. "O mundo grande e terrível, e complicado" - como várias vezes o define Gramsci - pode colocar um filho na condição de sequer dar esperança à própria mãe. Gramsci sabe que está doente; sabe que o cárcere pode ser (e de fato será) fatal para si; sabe que bastaria um pedido de clemência ao chefe de Governo [Benito Mussolini] para sair, para poder se tratar, para salvar a vida; sabe que, provavelmente, este seu gesto poderia até ser recebido com indulgência e compreensão, precisamente porque não fazê-lo significaria uma condenação que nem o Tribunal Especial ousara impor-lhe; mas sabe que seu gesto, embora legítimo, embora previsto pelas normas vigentes, seria usado pelo inimigo e pela propaganda. Sua gente - derrotada, perseguida, presa - viria assim a saber que até ele, o líder, o máximo dirigente do partido no qual - certa ou erradamente - tantas esperanças tinham sido depositadas, até ele se rendera, até ele cedera, até ele vergara a cabeça diante do chefe de Governo, do líder dos inimigos. Por isto, Gramsci não fará e jamais há de querer fazer, jamais há de permitir que em seu nome se faça o pedido de clemência, como seus familiares repetidamente lhe pediram. Por isto, Gramsci foi assassinado pelo cárcere, quando teria podido se salvar: pelo seu senso de dever, pela dimensão ética intrínseca na sua escolha política.

FONTE: LIGUORI, Guido. Roteiros para Gramsci. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2007, p. 130 e 131.

Razão e paixão em Gramsci

Como poucos, Gramsci conseguiu entrelaçar razão e paixão, quer dizer, filosofia e política. Nele a relação dialética entre essas duas "virtudes", essenciais e inseparáveis na vida humana e social, resulta em uma intensa paixão política racionalmente conduzida e em uma profunda investigação teórica voltada para um revolucionário agir político.


Hoje, como nunca, a filosofia da práxis delineada por Gramsci guarda não só toda a sua vitalidade, mas se abre para novos e mais elevados desafios de transformação da realidade. Seu instrumento de análise e a revolucionária concepção de mundo que descortina tornam-se referenciais imprescindíveis na construção de uma nova civilização que exige embates cada vez mais difíceis e planetários diante dos quais ninguém pode considerar-se neutro e omisso.



FONTE: SEMERARO, Giovanni. Gramsci e os embates da filosofia da práxis. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2006.



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