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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, janeiro 02, 2013

Comunicado do Comitê Clandestino Revolucionário Indígena do EZLN

 
Ao povo do México
aos povos e governos do mundo.
 
 
Somos os mesmos de há 500 anos, de há 44 anos, de há 30 anos, de há 20 anos, de uns dias atrás
Irmãos e Irmãs,
Companheiros e Companheiras:
Dia 21/12/2012, na madrugada, dezenas de milhares de indígenas zapatistas nos mobilizamos e tomamos, pacificamente e em silêncio cinco sedes de município no estado de Chiapas, no sudeste do México.
Nas cidades de Palenque, Altamirano, Las Margaritas, Ocosingo e San Cristóbal de Las Casas, vimos vocês e nos vimos, nós mesmos, em silêncio.
Não é mensagem de resignação.
Não é mensagem de guerra, de morte e destruição.
Nossa mensagem é mensagem de luta e de resistência.
Depois do golpe de estado “midiático” que impôs, no centro do Executivo federal, a reles ignorância mal dissimulada e ainda mais mal maquiada, nos mostramos, presentes, para que fiquem eles sabendo que, se eles não saem daqui, nós tampouco. Continuamos aqui.
Há seis anos, um segmento da classe política e intelectual resolveu inventar um responsável pela derrota deles. Naquele tempo, estávamos, nós, em cidades e comunidades, lutando por justiça para gente que, naquele tempo, não estava em moda. Naquele momento, primeiro nos caluniaram; em seguida tentaram nos calar.
Incapazes, desonestos, sem saber ver que carregam neles mesmos o fermento da própria ruína, tentaram nos fazer sumir mediante a mentira e o silêncio dos veículos de mídia, sempre cúmplices.
Seis anos depois, duas coisas já se veem, bem claras:
– eles não precisam de nós para fracassar. E nós não precisamos deles para sobreviver.
Nós jamais fugimos, por mais que os veículos de todo o espectro das comunicações tenham tentado enganar vocês todos. E agora estamos novamente nas ruas, como somos e jamais deixamos de ser: indígenas zapatistas.
Durante esses anos nos fortalecemos e melhoramos consideravelmente nossas condições de vida. Nosso padrão de vida é superior ao das comunidades indígenas aliadas aos governos de plantão, que ganham esmolas e as consomem em bebedeiras e para comprar coisas de que não precisam.
Nossas casas melhoraram, sem ferir a natureza, sem impor-lhe caminhos que a natureza não conhece e dos quais não precisa.
Nos nossos pueblos, a terra, antes usada para engordar o gado de ocupantes e proprietários, agora nos dá o milho, o feijão, os legumes que iluminam nossas mesas.
Nosso trabalho é duplamente recompensado: nos dá o que é necessário para viver com honra e decência e para contribuir para que nossas comunidades cresçam também coletivamente.
Nossos meninos e meninas vão a uma escola que lhes ensina a verdadeira história deles, de nossa terra e do mundo; além das ciências e técnicas necessárias para que se nutram, cresçam e se sintam grandes, sem deixar de ser indígenas.
As mulheres indígenas zapatistas não são vendidas como mercadorias.
Os indígenas aliados do partido PRI servem-se de nossos hospitais, clínicas e laboratórios, porque nos do governo não há remédios, nem aparelhos, nem médicos, nem pessoal qualificado.
Nossa cultura floresce, não isolada, mas enriquecida no contato com as culturas de outros povos do México e do mundo.
Governamos e nos governamos nós mesmos, buscando primeiro, sempre, o acordo, antes de qualquer confronto.
Tudo isso nós obtivemos, não apenas sem precisar do governo, dos políticos governantes e das empresas e veículos de comunicação comercial que sempre acompanham os governos, mas, também, resistindo a todos os ataques deles, contra nós.
Demonstramos, mais uma vez, que somos quem somos.
Nos apresentamos, lá estivemos, nas ruas, com nosso silêncio.
Agora, com nossa palavra, anunciamos que:
Primeiro: Reafirmaremos que pertencemos ao Congresso Nacional Indígena e reafirmaremos essa pertinência. O Congresso Nacional Indígena é espaço de encontro dos povos originários de nosso país.
Segundo: Retomaremos o contato com nossos companheiros e companheiras aderentes da Sexta Declaração da Selva Lacandona no México e no mundo.
Terceiro: Trabalharemos para construir as pontes necessárias com os movimentos sociais que surgiram e surgirão, não para dirigi-los ou superá-los, mas para aprender deles, de sua história, de seus caminhos e destinos.
Para isso, conseguimos o apoio de indivíduos e grupos em diferentes partes do México, organizados como equipes de apoio das Comissões Sexta e Internacional do EZLN, para que se convertam em correiras de transmissão entre as bases zapatistas de apoio e os indivíduos, grupos e coletivos aderentes à Sexta Declaração, no México e no mundo que ainda mantêm sua convicção e o compromisso com construir uma alternativa não institucional de esquerda.
Quarto: Nos manteremos distanciados – distanciamento crítico – da classe política mexicana, a qual, em seu conjunto, nada obteve além de inchar à custa das necessidades e das esperanças de gente simples e humilde.
Quinto: Quanto aos maus governos federais, estaduais e municipais, aos Executivos, Legislativos e Judiciários maus, e contra os veículos e empresas de comunicação que sempre andam com eles, temos a dizer que:
– os maus governos de todo o espectro político, absolutamente sem exceção, fizeram o possível para nos destruir, para nos forçar à rendição. Os partidos PRI, PAN, PRD, PVEM, PT, CC e o futuro partido de RN, nos atacaram militarmente, politicamente, socialmente e ideologicamente.
Os grandes veículos e empresas de comunicação tentaram por todos os meios nos fazer desaparecer. Primeiro, usaram a calúnia servil e oportunista; depois o silêncio vicioso e cúmplice. Aqueles de cujas tetas de dinheiro as empresas da imprensa-empresa sempre mamaram e aos quais sempre obedeceram servilmente já não mandam. E alguns que ainda se elejam, sobre as ruínas dos que os antecederam, terão vida mais curta que eles.
Como se viu bem claramente dia 21/12/2012, todos eles fracassaram.
Só falta, pois, que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário federais decidam se 
(a) insistirão em sua política de contraguerrilha – que jamais, até hoje, passou de simulacro patético, torpemente mantida artificialmente viva pela repetição, nos meios de comunicação –, ou se
(b) reconhecem e cumprem seus compromissos, elevando ao plano de pleno reconhecimento Constitucional os direitos e a cultura indígenas, nos termos em que o ordenam os chamados “acordos de San Andrés”, firmados pelo governo federal em 1996, chefiado então pelo mesmo partido que lá está hoje.
Falta só o Governo Estadual decidir se
(a) insiste na estratégia desonesta e ruim de seu antecessor – o qual, além de mentiroso e corrupto, roubou, para enriquecimento privado dele e de seus cúmplices, dinheiros do povo de Chiapas, para comprar, desavergonhadamente, vozes e penas nos veículos da imprensa-empresa, enquanto faziam sumir o povo de Chiapas, mergulhado por eles na miséria. Ao mesmo tempo, aquele governo estadual usava policiais e paramilitares para tentar frear o avanço organizacional dos povos zapatistas; ou se, em vez disso, com justiça e verdade,
(b) aceita e respeita nossa existência e decide ver que aqui, no território zapatista, em Chiapas, México, floresce uma nova forma de vida social. Esse florescimento – os governos locais vejam ou não vejam – já atrai a atenção de pessoas honestas em todo o planeta.
Falta os governos municipais decidirem se continuarão, ou não, a deixar que girem as rodas da extorsão com que as organizações antizapatistas ou apresentadas como se fossem “zapatistas” assaltam as municipalidades para, em seguida, atacarem nossas comunidades; ou só usam o dinheiro das municipalidades para melhorar as condições de vida, só, dos próprios governantes.
Falta ainda o povo mexicano, que se organiza em formas de lutas eleitorais e resiste, decidir se
(a) continua a acreditar que o inimigo seríamos nós; se continua a descarregar sobre nós a frustração nacional pelas muitas fraudes e agressões de que, de fato, todos os mexicanos somos vítimas; se continua a aliar-se aos que nos perseguem; ou se
(b), afinal, se dispõe a reconhecer nos zapatistas de Chiapas outra forma de fazer política.
Sexto: Nos próximos dias, o EZLN, pelas suas Comissões Sexta e Internacional, dará a conhecer várias iniciativas, de caráter civil e pacífico, para seguir caminhando ao lado dos outros povos originários do México e de todo o Continente, e ao lado, também, no México e no mundo inteiro, de todos que resistem e lutam à esquerda e de baixo.
Irmãos e irmãs,
Companheiros e companheiras,
– já conhecemos, antes, a felicidade de receber atenção decente e honesta de vários veículos de empresas da imprensa-empresa de comunicações de massa. Quando aconteceu, nós registramos e agradecemos. Mas é passado, e aquele momento foi completamente apagado pelo que aconteceu depois, quando os veículos de empresas da imprensa-empresa mobilizaram-se contra a verdade e contra nós.
Todos os que apostaram que não sobreviveríamos senão no mundo “midiático” – e que, sob cerco feroz de mentiras e silêncios, nós desaparecíamos – erraram.
Continuamos a existir – onde e quando não havia câmeras, microfones, comentaristas, olhos e ouvidos.
Continuamos a existir – onde e quando nos caluniaram.
Continuamos a existir – onde e quando nos roubaram nossa voz.
E aqui estamos, sempre existindo, sempre.
Nossa caminhada, como todos viram bem claramente, não depende de “impacto midiático”. Nossa caminhada só depende de que o mundo e todas as partes do mundo nos vejam e nos compreendam. Nossa caminhada só depende da sabedoria indígena ancestral que guia nossos passos; e da decisão inabalável, da qual brota a dignidade dos de abaixo à esquerda.
A partir de agora, nossa palavra selecionará cuidadosamente os destinatários e, exceto em algumas poucas ocasiões, só será compreensível para quem tenha caminhado e caminhe conosco, sem se render a “modas midiáticas” e conjunturais.
Cá onde estamos, com não poucos erros e muitas dificuldades, já é outra realidade, outra forma de fazer política.
Poucos, bem poucos, viverão o privilégio de conhecê-la e de aprender dela, diretamente.
Há 19 anos, surpreendemos todos, ao tomar a fogo e sangue as suas cidades. Agora, fizemos outra vez, sem armas, sem morte, sem destruição. Assim, nos diferenciamos dos que, durante seus governos, repartiram e continuam a distribuir morte e mais morte entre seus governados.
Somos os mesmos de há 500 anos, de há 44 anos, de há 30 anos, de há 20 anos, de há poucos dias.
Somos os zapatistas, os menores, os que vivem, lutam e morrem no menor rincão no México, os que não claudicam, os que não se vendem, os que não se rendem.
Irmãos e irmãs, companheiros e companheiras, somos zapatistas.
Recebam nosso abraço.
¡democracia! ¡libertad! ¡justicia!
Das montanhas do Sudeste Mexicano,
Em nome do Comité Clandestino Revolucionario Indígena – Comandancia General del Ejército Zapatista de Liberación Nacional.
[assina] Subcomandante Insurgente Marcos
México. Dezembro de 2012/Janeiro de 2013
*comtextolivre

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