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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, julho 29, 2013

Em defesa da Copa

















Publicado no Outras Palavras

A adesão das comunidades locais às campanhas para sediar os jogos da Copa do Mundo explica a falta de resistência articulada, nos âmbitos e prazos adequados, que impedisse a construção de arenas. O apelo tardio às tais prioridades do país visa o núcleo social do apoio que o evento desfruta nas regiões contempladas, como prova o recurso populista de culpá-lo pela preservação de carências infra-estruturais que afetam os mais pobres.

É impossível afirmar que a inexistência do torneio traria verbas a setores historicamente desprezados, ou que o simples aporte financeiro resolveria o acentuado caráter gerencial da penúria. Por outro lado, as contrapartidas positivas geradas pela Copa vão muito além dos R$140 bilhões que ela injetará na economia do país. Basta imaginar o que seria hoje das nações européias em crise, por exemplo, sem as heranças educativas e sociais legadas pela indústria do turismo.

A demonização do investimento estatal na Copa ignora certas características essenciais da economia brasileira. O esforço para federalizar a imagem do dinheiro público envolvido inclui até empréstimos do BNDES, incentivos fiscais e subsídios da União, mecanismos que viabilizam os mais variados setores produtivos. Mesmo assim, a esmagadora maioria dos recursos vem de governos estaduais e municipais, sendo que em nove dos doze estádios a privatização do ônus é praticamente certa.

Mas há outras estupendas apropriações do erário, cotidianas e afrontosas, que escapam aos defensores de escolas e hospitais. Ocorrência menor, da seara esportiva: os R$ 5 bilhões devidos em tributos pelos “grandes” clubes de futebol. O quíntuplo do que é tido como escandaloso nas isenções do governo federal à Copa. Por que ninguém faz barricadas para impedir os jogos do Campeonato Brasileiro, manipulado pela TV Globo a favor desses mega-devedores e de seus elencos milionários?

Os torcedores indignados, principalmente os da crônica esportiva, vivem aplaudindo os membros dos cartéis organizados pela CBF, e agora repudiam os parcos benefícios que o banditismo futebolístico pode retribuir à coletividade. Esbravejam contra a FIFA, mas prestigiam a seleção midiático-empresarial que ela explora e financia. Vaiam os organizadores da festa e continuam fiéis a sua mitologia patriótica.

As manifestações críticas à Copa estão se afastando de pautas exeqüíveis, coerentes e representativas. A desmoralização do evento possui óbvias conotações institucionais, que apenas favorecem a arrogância exploratória de Joseph Blatter. A radicalização inconseqüente e os argumentos simplistas atraem contaminações ideológicas que não têm nada a ver com as necessárias denúncias de governos, empresas e cartolas. O máximo que piquetes em rodovias e estádios conseguem é prejudicar cidadãos e alimentar oportunistas que usam a mentira, o caos e o medo como estratégias eleitorais.

A polarização entre os apologistas do torneio criminoso e os visionários republicanos que o rejeitam é falsa e manipuladora. Não há contradição em defender uma Copa organizada, limpa e transparente, a valorização do turismo, o respeito à educação, à saúde e aos direitos humanos. Um pouco de inteligência nos debates ajudaria a agregar todas essas demandas legítimas. Mesmo que nenhuma delas prospere, já seria uma prova de maturidade política.
*Guilhermescalzilli

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