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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, julho 29, 2013

Passou da hora de desmilitarizar a polícia


Na cabeça da corporação, autoridade é muito mais importante que a legalidade.
rio
A natureza militar da polícia leva a instituição a valorizar mais a autoridade que a legalidade. Desmilitarizar a polícia é uma medida necessária para torná-la mais democrática e menos abusiva. O que tem acontecido em São Paulo e no Rio de Janeiro é um exemplo dos defeitos crônicos da PM.
A questão posta é se essa é a polícia que queremos em uma democracia.
Catorze homens da Rota foram indiciados por crimes sexuais cometidos em janeiro de 2012, durante a reintegração de posse em Pinheirinho. Duas jovens foram obrigadas a fazer sexo oral em policiais, um adolescente foi empalado com um cabo de vassoura e outro morador submetido a tortura com choques elétricos.
Nas manifestações populares recentes, o que se viu foram vários atos de violência. A bala de borracha foi usada indiscriminadamente (inclusive contra profissionais da imprensa), contrariando a orientação da própria corporação, pessoas que estavam se manifestando pacificamente foram surradas com cassetetes, prisões fragorosamente ilegais foram feitas.
No Rio, vídeos levam à suspeita de que policiais militares à paisana teriam se infiltrado nas manifestações para estimular o conflito. Isso sem falar do caso de Amarildo de Souza, o morador da Rocinha desaparecido após ser levado para uma UPP.
Não se pretende aqui cometer contra um policial suspeito o mesmo vício de não se respeitar sua presunção de inocência. Cada um desses fatos precisa ser apurado e os acusados devem ter direito à defesa. Contudo, é importante analisar a corporação e tentar compreender a razão da frequência de tanta ilegalidade cometido por seus membros.
Insista-se, não são episódios isolados. O que se vê é um histórico de abuso e violência institucional, sobretudo contra os moradores da periferia. O que há de novo com relação às manifestações é que as vítimas são, predominantemente, da classe média, o que gera uma reação mais intensa no noticiário do que os absurdos diários contra os pobres.
A natureza militar estimula esse tipo de comportamento porque ela é baseada no princípio da autoridade. Os policiais cumprem as ordens dadas sem qualquer questionamento, ainda que sejam ilegais. Em outras palavras, a autoridade é mais importante que a legalidade.
Em um dos vídeos divulgados sobre a prisão de um jovem, um recruta dizia que ele seria levado para a delegacia e a única coisa que sabia dizer, para fundamentar aquele desatino, era a de que recebia ordens. Levado ao oficial, o preso questionou se seria ilegal portar vinagre, e a única resposta que recebia era a ordem enérgica para que encostasse na parede. Nenhum argumento. Apenas a ideia de que, se a autoridade mandou, “tá mandado”.
Desmilitarizar a polícia não é uma mágica que resolverá todos os problemas da instituição. Mas uma coisa é certa: manter a natureza militar da polícia é renunciar completamente à possibilidade de uma entidade democrática e legalista. 
José Nabuco Filho No DCM
*comtextolivre

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