São Paulo e o vandalismo de Estado
POR ALESSANDRO MELCHIOR
"São Paulo hoje é, seguramente, a locomotiva que puxa o Brasil para o passado”
Há
tempos São Paulo é um território deflagrado. Implantaram aqui a máxima
de Margaret Thatcher: “Não existe sociedade, o que há e sempre haverá
são indivíduos”. E nessa lógica a equação Estado social mínimo x Estado
penal máximo vem se perpetuando. Hoje é, seguramente, a locomotiva que
puxa o Brasil para o passado. Sem data específica, já que o retrocesso
aqui é algo que não possui limites no horizonte do tempo.
Mas, sem
pouca modéstia, me atrevo a apontar o dedo no calendário. Retorno a
1917 e à greve operária daquele ano. Na ocasião, ao paulista Washington
Luís, então prefeito e futuro presidente do país, que hoje é nome de
rodovia, foi atribuída a frase: “A questão social é questão de polícia”.
O texto original era “a agitação [sic] operária é uma questão que
interessa mais à ordem pública que à ordem social”. Coloquei o texto
correto pra não me acusarem injustamente, embora as duas versões tenham o
mesmo significado. Basicamente, a grande contribuição do Estado à
República. Além de outras, que continuam a achincalhar o país, nossa
imprensa e a política, estadual e nacional, ontem e hoje.
Vejam
que ali Washington Luís deixava um legado que explica por que centenas
de jovens foram presos nos últimos dias nas manifestações contra o
aumento nas tarifas de transporte público. Não se trata apenas de
combater atos possivelmente exagerados de alguns manifestantes, mas de
iniciar a própria violência, como forma de impedir qualquer contestação à
ordem pública que implique ameaças à ordem social e ao status quo.
O debate
não está apenas no aumento de R$ 0,20 nos bilhetes de transporte. Está
na crítica à própria estrutura do transporte público no país, que tem na
capital, estrangulada pelos carros, símbolos motorizados do
individualismo, sua maior expressão. Mas também está no aumento de vinte
centavos que impacta no bolso de quem depende do transporte coletivo
para se locomover, estudantes e trabalhadores. Pessoas que pegavam
apenas duas conduções na cidade deixavam às empresas de transporte quase
R$ 200 todo mês, quase 30% do valor do salário mínimo nacional. Isso
antes do aumento. Trata-se de um direito financiado individualmente via
tarifa. Uma excrescência jurídica, política e social.
Além
disso, os protestos acumulam um conjunto maior de descontentamentos,
proclamados em todos os atos. Há uma insatisfação massiva com o
recrudescimento do conservadorismo no Brasil, que tem na aprovação do Estatuto do Nascituro, no avanço da PEC 215,
na violência contra os indígenas e nas frequentes violações de direitos
humanos com as obras das Copas e grandes eventos que iremos sediar.
Não ter
dialogado com o movimento, conforme intermediação feita pelo Ministério
Público, era algo esperado do governo do estado. No entanto, a
Prefeitura de São Paulo vinha em rota diferente em sua relação com os
movimentos sociais. Foi um erro seguido por outro, no caso, o silêncio
com a repressão violenta. Um erro crasso que pode sair caro. E tem que
sair. Porque não se atacam as liberdades democráticas impunemente. E uma
forma de atacá-las é com ação, mas também com a omissão ou mesmo a
oferta de ajuda.
Por isso
também é chocante a falta de solidariedade de alguns movimentos
sociais, parlamentares ligados aos direitos humanos e outras lideranças
políticas com os manifestantes. E isso revela a fragilidade cognitiva
das nossas referências progressistas. Não se trata de avaliar se é uma
manifestação que pode respingar eleitoralmente aqui ou ali. Mas de
defender o direito de manifestação contra o vandalismo do Estado.
Vandalismo que historicamente sempre atuou como cordão de isolamento às
mais avançadas demandas civilizatórias e que neste momento não poupa nem
os funcionários da grande imprensa, sua aliada histórica, tão avançado
se encontra em seu estágio de evolução.
Hoje o
vandalismo de Estado que opera em São Paulo precisa ser denunciado. É um
vandalismo que matou em 2012, pelas mãos de sua Polícia Militar, mais
pessoas que durante todo o ano de 2006. Que massacrou famílias em
Pinheirinho, que protege os interesses dos grandes latifundiários e
empresas multinacionais e que aos professores em defesa da educação
responde da mesma forma que aos estudantes e jovens em defesa da
mobilidade urbana. Deixar passar mais esse ato é colocar em risco nossa
frágil e jovem democracia e, portanto, o presente da geração que nela
cresceu e o futuro de gerações que dela dependem.
*Mariadapenhaneles
Fora Comunas!
ResponderExcluir