Legalização da maconha abre possibilidades de negócios no Uruguai
A partir de hoje, com a aprovação no Senado uruguaio do projeto que descriminaliza a produção de cannabis e a coloca sob controle do Estado, abre-se não só um novo capítulo da guerra contra o narcotráfico, como também um novo nicho de negócios que, no país sul-americano, já estão em andamento e só esperam o último sinal verde parlamentar para começar oficialmente. O Uruguai será o primeiro país do mundo a ter plantio, colheita, armazenamento, distribuição e venda de maconha geridos pelo Estado.
O governo uruguaio calcula que, com a lei, poderá retirar do narcotráfico entre US$ 30 milhões e US$ 40 milhões anuais, valor obtido com o consumo da droga no mercado ilegal e correspondente a cerca de 25 toneladas anuais. O principal consumidor de maconha do país tem entre 19 e 30 anos. De acordo com cálculos estatais, 25 mil uruguaios usam a droga diariamente e entre 120 mil e 150 mil pessoas a consomem em alguma vez durante o período de um ano. O preço de referência utilizado é de um dólar por grama.
O negócio mais óbvio que tem início com a sanção presidencial de José “Pepe” Mujica será o da pura produção de cannabis. De acordo com Julio Calzada, secretário geral da Junta Nacional de Drogas (órgão responsável pela coordenação das políticas vinculadas à implantação da lei neste momento), “pelo menos dez empresas” da América do Norte e da Europa se mostraram interessadas no fornecimento de sementes e no trabalho de plantio para o Estado. O critério de seleção das companhias produtoras, diz o secretário, é a experiência que cada um dos candidatos tem no assunto, e a escolha final está em processo.
Outro negócio que se ativará imediatamente é o da formação de clubes de cultivo. Segundo a lei, estes clubes terão licença para vender maconha em uma rede de 800 farmácias credenciadas, numa espécie de regime alternativo ao estatal. Os sistemas são excludentes entre si: quem fizer parte de um clube de cultivo não poderá ter acesso à droga oferecida em farmácias, e vice-versa. O mesmo acontece com quem se registrar como autocultivador: não poderá constar como usuário dos dois outros sistemas.
Calzada anunciou que o autocultivo será a primeira forma de consumir maconha a ser liberada no Uruguai. Assim, dez dias depois da aprovação da lei - ou seja, antes do Natal -, plantar cannabis em casa já não será crime. O máximo permitido é de seis plantas por residência. Os dispositivos gerais da lei, que permitem o cultivo em casa, a compra de maconha em clubes de cultivo ou sua aquisição em farmácias, não se aplicam a menores de 18 anos e estrangeiros.
Estima-se que no país existam 2,5 mil autocultivadores, mas os usuários calculam que o número seja muito maior. “Nem sequer há uma pesquisa séria e a maioria das pessoas que tem cannabis em casa não iria dizer que tem”, afirma ao Terra Alvaro Calistro, cultivador há 20 anos e que tem 60 plantas de cannabis no quintal da sua casa, na periferia de Montevidéu. “Para mim, a cannabis é uma planta medicinal a mais, nada além disso”, diz ele, que também tem uma goiabeira e plantas de tília, arruda, sálvia e bambu.
Investimento médio: US$ 200 mil
Ainda que a maioria dos usuários não veja o clube de cultivo como um negócio, já há uma tabela de preços em circulação sobre quanto custaria ser integrante de algum deles. Um dos usuários que darão início a seu próprio clube é Julio Rey, um dos mais ativos militantes pela regularização da maconha e líder do movimento Movida Cannábica de Florida (cidade a 87 km da capital). Trata-se do primeiro coletivo de defesa da droga organizado fora de Montevidéu, criado há quatro anos. Outros oito grupos semelhantes estão espalhados pelo interior do país.
Ainda que a maioria dos usuários não veja o clube de cultivo como um negócio, já há uma tabela de preços em circulação sobre quanto custaria ser integrante de algum deles. Um dos usuários que darão início a seu próprio clube é Julio Rey, um dos mais ativos militantes pela regularização da maconha e líder do movimento Movida Cannábica de Florida (cidade a 87 km da capital). Trata-se do primeiro coletivo de defesa da droga organizado fora de Montevidéu, criado há quatro anos. Outros oito grupos semelhantes estão espalhados pelo interior do país.
Rey tem um terreno de 25m x 30m reservado ao lado de sua casa. Em abril, começará a plantar cannabis para instalar um clube de cultivo. Para consumo próprio, possui plantas há três anos. “Há visões bem diferentes. Há agrupações que já estão pensando nisso como um clube de vinhos, com inscrições caras. Também há ameaças quanto à produção intensiva. Em conversas sobre a implantação da lei, já começamos a combater a instalação de monopólios quanto ao fornecimento da maconha para venda nas farmácias. Nós queremos uma implantação que não se contamine pela voracidade capitalista e que seja feita por coletivos vulneráveis ou pequenos grupos familiares”, diz ao Terra.
Segundo ele, em média, a inscrição em um clube de cultivo rondará os 2 mil pesos uruguaios (cerca de R$ 200), com uma mensalidade equivalente a R$ 150. O consumo mensal individual não poderá exceder 40 gramas. Rey começará a plantar em sistema de cooperativa com outros 15 interessados e pensa oferecer ao público em geral um sistema de adesão que custará entre 500 e 1.000 pesos (de R$ 50 a R$ 100, aproximadamente). A nova lei estabelece que os clubes de cultivo possam ter entre 15 e 45 sócios, com um máximo de 99 plantas.
O preço de uma semente de cannabis pode variar entre R$ 10 e R$ 80, dependendo da variedade. Em sua maioria, vêm de bancos de semente europeus. Mas, entre cultivadores, existe a prática do intercâmbio de sementes - onde é comum presentear-se com variedades locais - e também a plantação por meio do uso de “plantas-mãe”, que possibilitam o aumento da plantação sem o uso de sementes compradas. Rey lançará mão dos dois métodos e também começará um sistema de cruzamento de variedades sul-americanas.
Para produção em escala, o governo planeja conceder 15 licenças, com um investimento médio de 200 mil dólares por instalação. “Ou seja, isso está concebido para empresários de poder aquisitivo médio e alto, e é a principal crítica que tenho sobre a lei”, diz Rey, que é um pequeno comerciante de alimentos. “Independentemente de qualquer coisa, é uma vitória. E, para mim, a principal vitória é ver minha mãe hoje em dia regando minhas plantas de cannabis”, diz, com bom humor.
Roupas, óleo, creme
Apesar de não consumir maconha e de não estar de acordo com o formato final da lei - que une em uma só normativa cannabis de uso recreativo e outras espécies para outras finalidades -, o empresário uruguaio Fabrizio Giamberini também está entre os que comemoram a aprovação do projeto. Ele é fundador da The Latin America Hemp Trading, empresa criada em 2006 e especializada em assessoria de governos e empresas, pesquisa e promoção da agroindústria do cânhamo industrial.
Apesar de não consumir maconha e de não estar de acordo com o formato final da lei - que une em uma só normativa cannabis de uso recreativo e outras espécies para outras finalidades -, o empresário uruguaio Fabrizio Giamberini também está entre os que comemoram a aprovação do projeto. Ele é fundador da The Latin America Hemp Trading, empresa criada em 2006 e especializada em assessoria de governos e empresas, pesquisa e promoção da agroindústria do cânhamo industrial.
“O cânhamo é da mesma família da cannabis, mas a diferença é que o cânhamo não produz princípio ativo”, afirma. O cânhamo possui baixos teores de THC, o principal psicoativo da maconha. “Nos EUA, no Canadá, na China, na Austrália, existe a indústria do cânhamo, de onde podem ser extraídos óleos, fibras e grãos. Na Europa, no Canadá, são feitas casas ecológicas a partir do que se chama de 'hempcrete', uma espécie de concreto formado pela parte lenhosa do cânhamo e cal.”
Rico em ômega 3 e 6, o óleo de cânhamo é apto para consumo humano. Da parte fibrosa da planta, explica Giamberini, podem ser produzidos papéis especiais, além de fibras têxteis e industriais, como as que compõem painéis automotores.
Desde 2010, a empresa faz experimentos com cânhamo no Uruguai em parceria com o Instituto Nacional de Investigação Agropecuária. A legislação do continente, explica o empresário, reconhece a diferença entre cânhamo industrial e cannabis para pesquisa científica e aplicação médica, mas não para uso industrial. Eis porque a lei em votação hoje é tão importante também para os empresários desse ramo.
Já no ano que vem, Giamberini começará a plantar cânhamo em escala comercial com o objetivo de oferecer a países onde essa indústria é permitida produtos como óleos, compostos alimentares para atletas, sementes (que podem ser consumidas cruas, por exemplo em saladas) e farinha com os grãos, utilizados para a recuperação de massa muscular. Também no ano que vem, a empresa lança uma coleção de roupas feitas em fibra de cânhamo. A marca Cañamama venderá de vestimentas desenhadas por estilistas uruguaios a alimentos e cremes para o corpo: o cânhamo possui propriedades cicatrizantes e antiinflamatórias.
A empresa possui sócios norte-americanos e canadenses. Giamberini não fala em números para o seu negócio, mas considera que este “é um mercado crescente” e dá como um exemplo as cifras registradas pelo mercado de cânhamo nos Estados Unidos, que movimenta US$ 500 milhões anuais. “Com a lei aprovada, aumenta a possibilidade de negócios estratégicos com empresas do Hemisfério Norte. Além disso, será possível produzir em contraste com elas”, comenta, sobre o fato de poder colher na América do Sul quando parceiros como norte-americanos e europeus estão na entressafra.
Sobre a lei de regulação estatal, diz: "Estou do outro lado da calçada. O cânhamo industrial não tem nada a ver com isso. Precisaremos ensinar ao mercado que esse é um produto voltado para a alimentação saudável, um cultivo como o do milho, ou da soja, ou do girassol. Não fumo maconha".
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