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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, setembro 23, 2014

FORA MONSANTO DA AMÉRICA LATINA

População de Córdoba comemora um ano de bloqueio contra Monsanto



Por Darío Aranda
Do Página 12

A comunidade das Malvinas Argentinas, Córdoba, contou com celebrações massivas e tem um motivo principal: há um ano freiam a Monsanto, a maior empresa do agronegócio do mundo. 

Nos últimos 12 meses tiveram marchas, campanhas informativas, assembleias, a Justiça deteve a construção da fábrica; o governo provincial rechaçou o estudo de impacto ambiental; três universidades nacionais questionaram a empresa; a polícia e grupos realizou meia dúzia de repressão contra a população e um novo estudo confirmou o repulso da população à instalação da Monsanto em Córdoba. 

Na última sexta-feira (19) foi realizado um festival de música, feira de alimentos saudáveis e foi celebrado o tropeço da maior empresa transgênica do mundo.

A Monsanto controla 86% das sementes transgênicas do mundo e é referência no modelo do agronegócio. Em junho de 2012 anunciou a construção de sua maior fábrica na América Latina de sementes de milho transgênico nas Malvinas Argentinas, numa área de 30 hectares. 

A população se interou pela televisão de que teria como vizinha uma das empresas mais denunciadas do mundo, que instalaria 240 silos gigantes no bairro e processaria milhões de toneladas de milho por ano. Nascia a Assembleia de Vizinhos Malvinas Luta pela Vida.

Os Vizinhos pediram informações, mas nunca chegaram. E começaram a pedir explicações ao município (ao prefeito Daniel Arzani, UCR), a província (José Manuel da Sota, PJ) e à nação. Tampouco obtiveram resposta. Iniciaram as marchas e reivindicações com dois pontos principais: um estudo de impacto ambiental e uma votação para que a população decidisse. Todos os governantes foram contrários à possibilidade de um plebiscito.

Desde que começou a mobilização nas Malvinas Argentinas, aconteceram seis repressões (com mais de vinte feridos, sempre os Vizinhos), realizadas pela polícia provincial. 

Na semana passada uma nova pesquisa foi conhecida, realizada pela Conicet a pedido da ONGinternacional Avaaz. Nove de cada dez habitantes são favoráveis a realização de um plebiscito, e 65% votaria contra a instalação da Monsanto.

Gastón Mazzalay, da Assembleia de Malvinas, afirmou que o balanço da luta é “positivo porque conseguiu frear a construção e deixou em evidência todas as irregularidades nas autorizações da Monsanto”. 

Mazzalay esclareceu que “ainda falta” para a erradicação definitiva da empresa, explicou que estão apenas começando a dimensionar a repercussão da luta (jornalistas e ativistas de todo o mundo vão visitá-los) e apontou ao poder político: “A única forma da Monsanto se instalar é se o governador violar a lei”. Refere-se a lei provincial 9841, de Uso de solos, que estipula que fábricas como a da multinacional devem permanecer em zonas industriais (não é o caso da fábrica de Malvinas Argentinas).

Em janeiro passado, a Câmara do Trabalho suspendeu a construção da fábrica solicitado pela Assembleia de Malvinas. A decisão declarou arbitrariedade e a ordenança da municipalidade e a província que levou ao início da obra. 

Em fevereiro, a Secretaria do Meio Ambiente rejeitou o estudo de impacto ambiental da Monsanto por grandes deficiências técnicas. Entre eles, a multinacional não teria mencionado como se tratariam os dejetos nem o grande consumo de água. Entretanto, a província deixou aberta a possibilidade de uma segunda apresentação.

A discussão sobre a Monsanto potencializou denúncias e mobilizações em Córdoba sobre o uso massivo de agrotóxicos, os desmatamentos, a seca e a especulação imobiliária. Sucederam-se marchas com grande apelo e exigiram a “emergência ambiental” na província. 

Em Rio Cuarto (onde a Monsanto planejava instalar uma fábrica experimental), a ação de organizações sociais e a UNRC motivaram os questionamentos de boa parte da sociedade. O prefeito, Juan Jure, proibiu por decreto a instalação da Monsanto.

Sofía Gatica, da organização Mães do Bairro Ituzaingó de Córdoba, explicou que muitas pessoas têm contribuído para conter a Monsanto nas Malvinas Argentinas, reivindicou o papel dos “autoconvocados” do acampamento, ressaltou que “é o povo que está segurando esta multinacional genocida” e deixou um aviso para outros casos: “multinacionais e governos tem que entender que as comunidades locais não querem um modelo que contamina, adoece e mata”.

Três universidades nacionais rechaçaram a fábrica. Em documentos separados, a Universidade Católica, a de Río Cuarto (UNRC) e a de Córdoba (UC) perguntou o que teria permitido o trabalho sem uma avaliação prévia do impacto ambiental, como estabelece a Lei Geral do Meio Ambiente (25.675), e nem foi recebido com as audiências públicas como pede a lei. As três universidades nacionais também explicitaram a vigência do “princípio de precaução” (quando há risco de afetar o ambiente e a saúde, devem tomar medidas de proteção).

Em abril de 2013, a UC, a Universidade Católica e o Conicet realizaram uma pesquisa com 350 pessoas de Malvinas Argentinas. Nove de cada dez (87%) se mostraram a favor de que se realize uma consulta popular na localidade, e 58% disse que rechaçava a instalação da Monsanto.
*MST
*CibéliaPires

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