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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, janeiro 10, 2015

O papel dos Estados Unidos em tragédias como a do Charlie Hebdo

Tudo podia ser diferente
Tudo podia ser diferente
Você lê na mídia ocidental que os terroristas islâmicos que massacraram a turma do Charlie Hebdo foram “radicalizados” por este ou aquele clérigo muçulmano fanático.
Esta é a melhor maneira de não enxergar o real problema.
Nada leva tanto ao terror jovens muçulmanos ao redor do mundo quanto a política de destruição contra o mundo árabe comandada pelos Estados Unidos e seguida cegamente pelos seus aliados europeus, como Reino Unido, Alemanha e França.
Uma coisa e apenas uma move os americanos e seguidores em sua predação: o petróleo.
Há, ou houve, o argumento hipócrita de que o que se deseja é levar a “democracia” aos países árabes.
Democracia uma ova, para usar a expressão de Luciana Genro. O objetivo é o petróleo, o petróleo e ainda o petróleo. A qualquer preço.
A pilhação ocidental é antiga.
Estados Unidos e Inglaterra se uniram, no começo da década de 1950, para derrubar um líder iraniano, Mossadegh, que ousara desejar uma partilha mais justa do petróleo do Irã.
Os historiadores registraram a fala de um ministro inglês para justificar a sabotagem contra Mossadegh: não seria possível proporcionar aos ingleses o mesmo nível de vida com uma divisão diferente dos lucros derivados do petróleo iraniano.
Este foi o padrão de conduta ocidental no Oriente Médio desde então.
Mais recentemente, outra vez Estados Unidos e Inglaterra se aliaram numa operação macabra: a Guerra do Iraque.
Sabe-se hoje que os argumentos utilizados por Bush e Blair para justificar a guerra foram falsos. O Iraque não tinha armas de destruição em massa, ao contrário do que afirmaram Bush e Blair, dois verdadeiros criminosos de guerra.
O Iraque foi simplesmente destruído: crianças, mulheres, velhos, nada e ninguém foi poupado.
As bombas ocidentais não escolhem alvos.
É infalível: onde os ocidentais se metem com seus propósitos “civilizatórios”, as coisas pioram para os nativos.
A vida na Líbia sob Gadaffi era muito melhor do que é hoje, e os iraquianos sob Saddam viviam num paraíso comparado ao inferno que enfrentam hoje.
Imaginava-se que, com Obama, as coisas melhorariam.
Nada. Obama aumentou o uso de drones (aviões não tripulados, controlados à distância) para bombardear países do Oriente Médio.
A justificativa era matar extremistas, mas os drones têm ceifado rotineiramente milhares de vidas inocentes.
Essa chacina cotidiana não é notícia no Ocidente. É como se os mortos árabes não importassem, gente de uma subespécie não comparável aos guardiões da civilização ocidental.
Mas você pode avaliar o ódio e a vontade de vingança que vão se acumulando nas pessoas que, lá longe, testemunham as atrocidades.
É uma corrente de raiva que acaba tocando também jovens muçulmanos que vivem em países ocidentais.
É dentro desse quadro explosivo que surgem tragédias como a do Charlie Hebdo ou, mais para trás, da Maratona de Boston.
Ou, ainda mais para trás, a do 11 de Setembro.
Enquanto o Ocidente pilhar e destruir os países árabes, o terreno para a radicalização de jovens muçulmanos estará sempre fértil.
Há uma fórmula certeira para acabar com a fábrica de extremistas: os americanos e aliados darem o fora dos países árabes.
Mas quem quer falar disso?
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Paulo Nogueira
Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.





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