Propaganda dos EUA na Coreia: TV como ferramenta de “engenharia social”
[*] Tony Cartalucci, New Eastern Outlook, NEO
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O policial Kim Heung-kwang e as fitas apreendidas |
Quando a revista Wired publicou o artigo “Plano para libertar a Coreia do Norte (com cópias contrabandeadas de episódios do seriado Friends)”, a revista provavelmente contava com que seu público leitor, impressionável e politicamente ignorante, não captaria os fatos subjacentes e respectivas implicações, e leria ali apenas mais uma matéria “engraçadinha”, que cobriria de (mais) ridículo o país do leste da Ásia e reforçaria, naquele mesmo público leitor ignorante consumidor de Wired, a sensação de imorredoura superioridade cultural.
O que a revista não viu, claro, é que o programa divulgado por Wired como se fosse trabalho do “Centro Estratégico Coreia do Norte” e de seu fundador Kang Chol-hwan, 46 anos é, na verdade, organizado e financiado pelo Departamento de Estado dos EUA.
Fato é que o Centro Estratégico Coreia do Norte trabalha em parceria muito íntima com o Gabinete de Direitos Humanos, Democracia e Trabalho do Departamento de Estado dos EUA, com a Rádio “Free Asia” da rede de propaganda do Departamento de Estado dos EUA e com a Dotação Nacional para a Democracia (National Endowment for Democracy, NED), também do Departamento de Estado dos EUA, que é um verdadeiro departamento para “mudança de regime”, mantido pelos “500” de Wall Street da revista Fortune eexclusivamente a serviço dos interesses dos “500”.
Leitores da mais recente ação de propaganda paga pelos EUA e divulgada pela revista Wired tampouco viram que, se os seriados norte-americanos são considerados ferramentas para engenharia social na Coreia do Norte, eles também, muito provavelmente, são usados para a mesma finalidade de engenharia social também nos EUA.
A degradação da educação nos EUA, o esvaziamento da família, o enfraquecimento das comunidades locais versus a dominação cada vez mais uniformizante e centralizada, pelos grandes monopólios empresariais-financeiros – e o estado de vigilância e sua Polícia cada vez mais draconiana – são resultados diretos do mesmo processo.
Os "desinteressados" patrocinadores da NED... (clique na imagem para aumentar) |
Wired até admite, no artigo citado que:
Para Kang, os seriados são semelhantes à pílula vermelha de Matrix: tratamento para modificar a mente que tem o poder de estilhaçar um mundo de ilusões. “Quando os norte-coreanos assistem a Desperate Housewives, eles veem que os norte-americanos não são todos imperialistas obcecados por guerras –diz Kang – São simplesmente pessoas que têm negócios, que têm casos. Eles tomam conhecimento do que seja lazer, liberdade. Aprendem que nada disso os ameaça, que os norte-americanos não são o inimigo. Que o que veem é o que desejam também para eles. A experiência cancela tudo que eles tenham ouvido. E quando isso acontece, começa neles uma revolução mental.
Não há dúvidas de que convencer um povo inteiro a ser cada dia mais autista e autorreferente no plano moral, e mais degenerado no plano social, é altamente modificador de mentes, mas tem pouco, ou nada, a ver com a busca pela liberdade. A fragilidade que é disseminada entre as populações, ensinadas a burlar primeiro a própria família, depois a própria comunidade, é o correspondente “doméstico” de uma campanha militar-sociopolítica de “dividir para conquistar”.
Em comunidades locais incapazes de se auto-organizar, porque os próprios indivíduos são incapazes de viver em família ou em comunidade, é baixa a probabilidade de que brotem concorrentes capazes de ameaçar o status quo que Wall Street e Washington demarcaram.
Mais importante, a campanha de “dividir para conquistar” encoraja um determinado tipo de paradigma de consumo desenvolvido, aperfeiçoado e exclusivamente dominado por interesses ocidentais, que opera como retroalimentador do comportamento autista e autorreferente infindavelmente propagandeado pela mídia-empresa ocidental.
Kang Chol-hwan e George Bush |
Na verdade, o Centro Estratégico Coreia do Norte não está trabalhando para “libertar” ninguém. Em vez disso, está trabalhando para encurralar os norte-coreanos, fazendo-os trocar uma gaiola por outra. Há quem argumente que a “outra gaiola” é mais confortável. Bobagem. Nenhuma gaiola será jamais confortável e nem se fosse confortabilíssima deixaria de ser gaiola.
Nada disso é feito para objetivos altruístas, mas, simplesmente, para “alistar” mais alguns milhões de seres humanos, de outra região do planeta, no mesmo paradigma de consumo globalizante de exploração, não sustentável, de Wall Street – paradigma que estrangula o meio ambiente, a sociedade e os seres humanos.
Como o tal Centro Estratégico Coreia do Norte poderia mostrar alguma “verdade” aos norte-coreanos, se não diz a verdade nem sobre quem o mantém e paga os salários dos seus “especialistas”?
Aí está também um paradigma de consumo que está sendo assumidamente construído e ampliado com dinheiro dos contribuintes norte-americanos, pelo Departamento de Estado dos EUA, cuja missão deveria ser a de representar o povo dos EUA e seus interesses legítimos, mas que, em vez disso, vive a impor os interesses de empresários e banqueiros dos EUA sobre outros povos, mediante truques de propaganda, onde possível; e por força militar, quando necessário.
O artigo publicado em Wired, como muitos outros que essa revista publica, foi escrito para gerar “pauta” dita “jornalística” de propaganda do que se pode chamar “colonialismo 2.0”: para dar aos leitores uma sensação de superioridade moral sobre os muitos inimigos que o ocidente “designa” para ele mesmo.
Divisa fortificada entre as Coreia do Norte e do Sul |
Mas Wired nunca se refere ao papel do Departamento de Estado nessa específica campanha de propaganda. Isso mostra que não apenas os leitores “comuns” estão sendo manipulados, mas muitos “especialistas” e muitos “jornalistas” também estão sendo igualmente manipulados nessa campanha extraordinariamente desonesta. Será que a ação de Kang seria igualmente bem recebida pelos norte-coreanos, se eles fossem honestamente informados de que tudo aquilo é mantido e sustentado – que, na verdade, tudo aquilo foi inventado – pelo Departamento de Estado dos EUA?
Será que essa informação verdadeira, devidamente divulgada, confirmaria a opinião de Kang, de que os norte-coreanos seriam injustificadamente paranoicos, sempre temerosos de que os EUA apareçam para subverter, destruir e esmagar o país deles? Ou o fato de que Kang está integralmente a serviço dos EUA e de que seu trabalho é controlado e supervisionado pelo Departamento de Estado dos EUA exporia as mentiras que Kang usa para defender o próprio salário?
Verdade e transparência são indispensáveis a quem queira oferecer “liberdade” a outros. Gente mal informada ou desinformada não pode tomar decisões realmente consequentes sobre o próprio futuro. Se o crime da Coreia do Norte seria enganar o próprio povo sobre o mundo fora de suas fronteiras, nesse caso Kang e a campanha de propaganda do Centro Estratégico Coreia do Norte para mostrar-lhes o “mundo de verdade”, mas com ações pagas pelo Departamento de Estado dos EUA são, no mínimo, igualmente criminosos.
Como diz o ditado, dois erros não fazem um acerto (e, isso, só se alguém acreditasse que o Departamento de Estado dos EUA estaria tentando fazer alguma coisa certa).
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[*] Tony Cartalucci é pesquisador de geopolítica e escritor sediado em Bangkok, Tailândia. Seu trabalho visa cobrir os eventos mundiais a partir de uma perspectiva do Sudeste Asiático, bem como promover a auto-suficiência como uma das chaves para a verdadeira liberdade.
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