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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, dezembro 29, 2010

106 estados-membros da ONU já reconheceram oficialmente a Palestina





A maior parte do Mundo



28/12/2010, John V. Whitbeck, Al-Jazeera

Palestine: recognising the state

Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

John V. Whitbeck é advogado, especialista em Direito Internacional, conselheiro da delegação palestina nas negociações com Israel.

Dia 17 de dezembro, a Bolívia reconheceu diplomaticamente o Estado da Palestina, nas fronteiras de antes de 1967 (toda a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, inclusive Jerusalém Leste).

Acontecido imediatamente depois de Brasil e Argentina também reconhecerem a Palestina, o reconhecimento pela Bolívia eleva para 106 o número de Estados-membros da ONU que reconhecem o Estado da Palestina, cuja independência foi proclamada dia 15 de novembro de 1988.

Embora esteja sob ocupação beligerante, o Estado da Palestina atende a todas as exigências da lei consuetudinária internacional para ser considerado estado soberano. Nenhuma porção do território palestino está reconhecida por qualquer outro país (exceto pela potência ocupante, Israel) como seu território soberano e, de fato, Israel só se tem declarado soberano em pequena porção do território palestino – Jerusalém Leste “expandida” – o que implica que todo o território restante permanece legal e literalmente território palestino não contestado.

Nesse contexto, pode ser esclarecedor considerar a qualidade e a quantidade dos Estados que já reconheceram o Estado Palestino.

Dos nove estados mais populosos do mundo, oito (todos, exceto EUA) reconhecem o Estado da Palestina. Dos vinte estados mais populosos do mundo, 15 (todos, exceto EUA, Japão, México, Alemanha e Tailândia) reconhecem o Estado da Palestina.

Por outro lado, entre os 72 Estados-membros da ONU que atualmente reconhecem a República do Kosovo como Estado independente, só aparece um dos nove Estados mais populosos do mundo (EUA); e aparecem quatro dos vinte estados mais populosos do mundo (EUA, Japão, Alemanha e Turquia).

Quando, em julho, a Corte Internacional de Justiça declarou que a declaração unilateral de independência do Kosovo não violava a lei internacional, porque a lei internacional nada diz sobre a legalidade de declarações de independência (o que significa que nenhuma declaração de independência viola a lei internacional e que, portanto, todas são “legais”; e depende de decisão política de outros Estados soberanos reconhecer ou não a independência declarada), os EUA convocaram todos os países que ainda não haviam reconhecido o Kosovo para que o fizessem imediatamente.

Passados cinco meses, apenas três novos países responderam à convocação dos EUA – Honduras, Kiribati e Tuvalu.

Se a Liga Árabe convocasse a minoria de Estados-membros da ONU que ainda não reconheceram a Palestina, para que a reconhecessem imediatamente, não cabe dúvida de que a resposta seria bem mais eloquente (tanto em quantidade quanto em qualidade) do que a que os EUA receberam, em seu apelo a favor do Kosovo. Isso, precisamente, é o que a Liga Árabe já deveria ter feito.

Não obstante a evidência (baseada em meus cálculos pouco refinados) de que os estados nos quais vive 80-90% da população do planeta reconhecem o Estado da Palestina, e que os estados nos quais vive 10-20% da população do planeta reconhecem a República do Kosovo, a “mídia” ocidental (e, de fato, boa parte, também, da “mídia” não ocidental) age como se a independência do Kosovo fosse fato consumado; e como se a independência da Palestina fosse apenas um sonho que jamais se poderá realizar sem o consentimento de Israel-EUA. E boa parte da opinião pública (incluindo, parece, a liderança dos palestinos em Ramallah) tem-se deixado levar e tem reagido, pelo menos até recentemente, como objeto passivo de lavagem cerebral.

Como em vários aspectos das relações internacionais, o que interessa não é a natureza do ato (ou crime), mas, sim, quem faça o quê a quem.

A Palestina foi conquistada e continua ocupada, 43 anos depois, por forças militares de Israel. O que a maior parte do mundo (inclusive a ONU e cinco Estados-membros da União Europeia) ainda veem como a província sérvia do Kosovo foi conquistada e continua ocupada, 11 anos depois, por forças militares da OTAN.

Mas a bandeira dos EUA está sempre hasteada no Kosovo, ao lado da bandeira nacional; e a capital, Pristina, exibe um Boulevard Bill Clinton e uma estátua gigantesca, de proporções, pode-se dizer, “soviéticas”, do ex-presidente dos EUA.

O direito brota do poder, pelo menos nos corações e mentes dos poderosos, entre os quais se contam muitos políticos e formadores de opinião ocidentais.

Enquanto isso, quando um perpétuo “processo de paz” parece ameaçado repentinamente pelo recurso pacífico à lei internacional e a organizações internacionais, a Câmara de Deputados dos EUA acaba de aprovar, por unanimidade, projeto de lei redigido pelo AIPAC (American-Israel Public Affairs Committee), que proíbe o presidente Barack Obama de reconhecer o Estado da Palestina e dá aos EUA poder de veto para impedir que chegue a bom termo qualquer iniciativa dos palestinos para tornar-se membros da ONU.

Os políticos e a “mídia” ocidental usam em geral a expressão “comunidade internacional” para falar dos EUA e outros países que aceitem apoiar publicamente os EUA em determinadas questões. E chamam de “rogue state” [estado-bandido], qualquer país que resista ativamente à dominação de EUA-Israel sobre o mundo.

Pela subserviência a Israel – como outra vez se confirma na falta de qualquer voz, uma que fosse, que protestasse contra a nova resolução da Câmara de Deputados e contra a oferta (rejeitada) que o governo Obama fez a Israel, de fato tentativa de suborno (Obama ofereceu propina gigante a Israel, em troca de suspensão por apenas 90 dias, de seu programa ilegal de colonização) – os EUA já se autoexcluíram efetivamente da verdadeira comunidade internacional. Porque a verdadeira comunidade internacional tem de incluir a grande maioria da humanidade. E os EUA já se converteram eles próprios em “rogue state” [estado-bandido], com atos de flagrante e consistente violação, tanto da lei internacional quanto dos direitos humanos fundamentais.

Deve-se esperar que os EUA arranquem-se eles próprios do abismo e recuperem a independência. Mas todos os sinais apontam na direção oposta. Triste destino, para um país tantas vezes admirável.

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