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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, novembro 28, 2011


Com Enem, preso faz faculdade e dá lição em penitenciária do PA



Pedro Varão Sá Neto, 22 anos, fez o Enem para detentos em 2010 e conseguiu uma bolsa integral do ProUni para cursar a faculdade. Foto: Divulgação
Pedro Varão Sá Neto, 22 anos, fez o Enem para detentos em 2010 e conseguiu uma bolsa integral do ProUni para cursar a faculdade
Foto: Divulgação

ANGELA CHAGAS
Preso há quase três anos por participar de um assalto, Pedro Varão Sá Neto, 22 anos, foi o único detento do Centro de Recuperação Agrícola Mariano Antunes, da cidade paraense de Marabá, a participar do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2010. Um ano depois, ele garantiu na Justiça o direito de cursar a faculdade de Segurança do Trabalho na Universidade Santo Amaro (Unisa) e hoje serve de exemplo para outros detentos, que se preparam para fazer a prova do Enem em busca da oportunidade de recomeçar.
Ao contrário do ano passado, quando apenas Neto se interessou pela prova do Enem, nesta segunda-feira pelo menos 20 presos da unidade de Marabá farão as provas do exame, que será aplicado a partir das 12h em 527 unidades prisionais do País. Segundo o diretor da casa penal, capitão Emmett Alexandre da Silva Moulton, o caso do jovem, que conseguiu na Justiça escolta policial para frequentar as aulas, foi um estímulo dentro da penitenciária. "Os outros presos perceberam que ele conquistou um tratamento especial. Sai uma vez por semana da penitenciária para ir à faculdade. Eles também querem essa oportunidade", afirma.
De acordo com Emmett, a educação é principal ferramenta para ressocializar as pessoas privadas de liberdade. "É muito bom ver a empolgação deles (detentos). Até a procura pelas aulas de EJA (educação de jovens e adultos) dentro da penitenciária aumentou após a vitória de Neto", comemora. Ele afirma que os presos não acreditavam que o jovem conseguiria na Justiça a liberação para ir até a faculdade. "Foi uma surpresa para muitos, mas eu sempre incentivei e a Justiça foi sensível a nossa luta", afirma ao destacar a decisão do magistrado Marcelo Andrei Simão Santos, da comarca de Itupiranga (PA), tomada em outubro deste ano.
Já que o curso de Neto é semipresencial, ele frequenta as aulas no campus da Unisa em Marabá apenas uma vez por semana. No restante dos dias, estuda na biblioteca e nas salas de aula da penitenciária. Para conquistar um bom desempenho no Enem e garantir bolsa integral por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni), ele recebeu ajuda da mãe e de funcionários da prisão, que levaram livros e cadernos. Neto havia concluído o ensino médio antes de ser preso e não teve dificuldades em assimilar os conteúdos da prova.
Outra conquista garantida após a aprovação de Neto foi uma parceria com a secretaria estadual de Educação, que disponibilizou professores para dar aulas de preparação para os detentos. "Com certeza este ano teremos mais internos aprovados no exame", diz o diretor. "Esta iniciativa é apenas o primeiro passo para chegarmos a tão sonhada paz social, e quem ganha com isso é a sociedade, porque estes infratores deixam de retornar à criminalidade e contribuem para o bem estar de todos", completa o capitão Emmett.
Neto foi preso no dia 13 de janeiro de 2009 com 19 anos de idade, durante o assalto a uma agência bancária. Passados quase três anos, ele ainda não foi julgado. Durante todo esse período, está preso de forma provisória. Em uma carta escrita dentro do presídio ele disse que "todos nós, independente de onde estivermos, somos pessoas e temos capacidade de lutar por nossos objetivos. (...) As dificuldades existem para serem superadas e os sonhos para serem alcançados". O sonho de Neto é concluir a faculdade, cumprir sua pena e reconstruir a vida longe do crime.
Realidade para poucos
A possibilidade de fazer um curso superior ainda é uma realidade para poucos detentos no País. Segundo dados do Sistema Integrado de Informação Penitenciária (Infopen), do total de 8% dos presos que estudam, 55% cursam o ensino fundamental e 24% ainda estão em fase de alfabetização. Outros 16% fazem o ensino médio, 4,5%, cursos técnicos e somente 0,5% são alunos do ensino superior. São Paulo é o Estado onde há o maior número de presos universitários, com 196. No restante do País, a média é de um preso cursando o ensino superior por unidade da federação.
Para Denise Carreira, relatora nacional para o direito humano à educação, a escolta policial é um dos principais problemas para garantir o acesso ao ensino superior aos presos. "Os poucos detentos que conseguem concluir o ensino básico e passar no vestibular muitas vezes não se matriculam por não ter escolta disponível, e a maioria não consegue acompanhamento policial nem mesmo para ir ao posto de saúde ou comparecer às próprias audiências".
Enem nos presídios
Um total de 13.962 pessoas privadas de liberdade e jovens sob medida socioeducativa farão as provas do Enem nesta segunda-feira e amanhã. As provas serão aplicadas 527 unidades prisionais de todo o País, indicadas pelos órgãos da administração penitenciária, pelas secretarias de estaduais de segurança pública ou pela Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e dos Adolescentes.
Diferentemente do Enem tradicional, que é aplicado nos finais de semana, o exame para pessoas privadas de liberdade é realizado em dias úteis. Um dos motivos, segundo o Ministério da Educação (MEC), é que a movimentação em presídios é muito grande, sobretudo aos domingos, dia de visita. Nesta segunda-feira, o início será às 12h, pois os detentos deverão responder ao questionário socioeducativo antes da realização da prova, que terá início às 13h. Nesse dia serão feitas as provas de Ciências Humanas e suas tecnologias e de Ciências da Natureza e suas tecnologias. Na terça-feira, os participantes farão prova de Códigos, linguagens e suas tecnologias e de Matemática e suas tecnologias, além de uma redação.
Cada prova terá 45 questões, número idêntico ao do Enem tradicional e também são elaboradas com base na Teoria de Resposta ao Item (TRI), o que possibilita a comparação entre os resultados de ambas. De acordo com o MEC, em cada sala haverá agentes penitenciários para garantir a segurança. No entanto, a prova será aplicada por funcionários do consórcio contratado para o Enem, composto por Cespe e Cesgranrio, e terá supervisão do Inep.
Terra

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