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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, novembro 25, 2011

O Irã e a III Guerra Mundial

Via Jornal do Brasil
Mauro Santayana
O jornalista e escritor britânico Douglas Reed, que morreu em 1976, pode ter sido um dos homens mais alucinados do século 20, como dizem seus biógrafos. Combatente na Primeira Guerra Mundial, quando ficou gravemente ferido no rosto, ele se fez jornalista e correspondente do Times de Londres em vários países da Europa. Em seus despachos de Berlim, se destacou como corajoso e violento antinazista. Foi o primeiro não comunista a denunciar a farsa do incêndio do Reichstag, acusando pessoalmente Hitler de ter sido o responsável pelo ato de provocação.
Quando se deu conta de que viria o Anschluss (a anexação da Áustria à Alemanha), ele, então em Viena, escreveu, em poucas semanas, seu livro mais conhecido, Insanity fair publicado em Londres em 1938. Nele, advertiu contra a tolerância em favor de Hitler, e previu a imediata eclosão da 2ª. Guerra Mundial. Meses depois, com a capitulação das potências europeias em Munique, no caso dos sudetos, deixou de trabalhar para o Times, cuja posição era também apaziguadora.
“Aceitou a tese conspirativa e fantasiosa de que os comunistas e os sionistas eram aliados para dominar o mundo”.
A partir de 1940, Reed se tornou antissionista — não antissemita. Mas aceitou a tese conspirativa e fantasiosa de que os comunistas e os sionistas eram aliados para dominar o mundo. Para ele, os nazistas favoreciam os sionistas, ao transformar os judeus em vítimas. Em seus artigos, previu que o Estado de Israel, a ser criado na Palestina, como determinava o projeto sionista de Max Nordau e Theodor Herzl, viria a ser o germe da grande conspiração para o domínio sionista do planeta, mediante um governo mundial.
Enfim, aceitava a famosa manipulação do “Protocolo dos Sábios de Sião”. Logo depois do armistício de 1945, previu que esse governo mundial seria dotado de armas atômicas, como propusera o banqueiro e assessor de Roosevelt, Bernard Baruch, também filho de judeus de origem europeia. De acordo com o Plano Baruch, nenhum outro país, além dos Estados Unidos, deveria desenvolver armas atômicas. O congelamento sugerido foi rejeitado com vigor pelos soviéticos.
Mas a citação de Reed nesta coluna se deve a uma frase profética do posfácio que acrescentou à edição original de Insanity fair. Reed conta que, ao visitar a então Tchecoslováquia, pouco antes do Tratado de Munique, se deu conta de que os seus soldados estavam mobilizados na fronteira, contra a prevista invasão do território pelos alemães — e contavam com a Inglaterra, mais do que com a França, para resistir. Enquanto isso, diz Reed, os ingleses abandonavam os tchecos. Naquele momento, deduziu o escritor, o mais poderoso império da História — o britânico — entrava em sua inexorável fase de declínio. Reed registra, na frase inquietante, a sensação de que o desastre era desejado, ao dirigir-se a seus compatriotas: “E até onde eu posso entender vocês, parece desejarem que isso ocorra”.
Advertiu que, ao apoderar-se de países vulneráveis, mas senhores de matérias primas, de energia, de mão de obra e de soldados, a Alemanha se faria inexpugnável, invulnerável e invencível, e dominaria toda a Europa — o que viria a ocorrer fora das Ilhas, até a virada em Stalingrado.
Outras são as circunstâncias de nosso tempo, mas a Insanity fair parece a mesma. Se a Palestina é muitíssimo mais indefesa do que era a Tchecoslováquia de Benes e Hocha, o Irã é sempre a Pérsia. Ao não reagir contra as perspectivas de um conflito, os europeus de hoje, como os ingleses de Eden e Chamberlain, parecem desejá-lo. Talvez suponham que possam associar-se aos norte-americanos no governo do mundo. Mas o tempo de Baruch passou. Hoje, se os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a França — e até Israel — dispõem de armas nucleares, a Rússia, a Ucrânia, a China, o Paquistão e a Índia também as têm.
Os arsenais do Pentágono dispõem de armas para destruir o mundo, mas não de recursos humanos e bélicos para a conquista e domínio do planeta. É bom, no entanto, anotar uma das profecias de Reed, ao analisar o Plano Baruch, e associá-lo ao sionismo. Segundo Reed, haveria uma Terceira Guerra Mundial, com a criação de um governo planetário, a ser imposto e exercido pelos sionistas. É uma profecia perversa e, como podemos supor, improvável. Primeiro, porque surgem em Israel e nos Estados Unidos vozes de bom-senso, que advertem contra esses arquitetos do apocalipse.
Os arsenais do Pentágono dispõem de armas para destruir o mundo, mas não de recursos humanos e bélicos para a conquista e domínio do planeta
Quando Meir Dagan, ex-dirigente do Mossad — a agência de espionagem e contra-espionagem de Israel, mais eficiente do que a CIA — diz, em palestra na Universidade de Tel-Aviv, que um ataque ao Irã é “uma ideia estúpida”. Dagan advertiu que qualquer iniciativa militar contra Teerã conduzirá a uma guerra regional, com gravíssimas consequências para todos. É sinal de que alguma coisa muda em Israel. Mas não apenas em Israel.
Nos Estados Unidos, alguns chefes militares também tentam convencer o presidente Obama — a cada dia mais servidor dos belicistas do Pentágono — de que um ataque ao Irã poderá levar a uma nova guerra mundial, e de resultados imprevisíveis.
Em artigo publicado pelo New York Times de 14 deste mês, o general John.H.Johns deixa bem claro o perigo, ao afirmar que um ataque ao Irã seria repetir a aventura do Iraque, com mais dificuldades ainda, e que o país dispõe de meios militares para rechaçar qualquer ataque. Opinião semelhante é a do general Anthony Zinni, outro respeitado chefe militar. Como sempre ocorre, ele e Johns são hoje oficiais reformados.
Informa-se também que chefes militares da ativa estiveram recentemente com Obama, a fim de demovê-lo de apoiar qualquer iniciativa bélica de Israel contra o Irã. Obama balançou os ombros.
A principal mudança, no entanto, é a tomada de consciência de grande parte dos cidadãos dos Estados Unidos e de Israel de que o inimigo não está fora de suas fronteiras, mas dentro delas. As desigualdades sociais e a angústia em que vivem, em estado de guerra permanente, levam o povo às ruas. Em Israel, cerca de 500 mil pessoas foram às ruas contra o desemprego, a corrupção e o enriquecimento de poucos, diante das crescentes dificuldades da maioria. Os protestos nos Estados Unidos aumentam, apesar da repressão violenta.
E é nesse quadro geral que os Estados Unidos buscam uma aproximação maior com a Argentina, com o propósito bem claro de reavivar a antiga desconfiança entre aquele país e o Brasil. Não é a primeira vez, embora esperemos que seja a última, em que Washington atua em busca da cizânia entre os dois maiores países da América do Sul. Não parece provável que obtenham êxito. Nos últimos anos, argentinos e brasileiros começaram a entender que estão destinados a viver em paz, e unidos na defesa de seus interesses comuns, que são os do continente.

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