Chauí: "história subterrânea" da USP na ditadura precisa vir à tona com comissão da verdade
Professora e filósofa considera que estrutura da
universidade, com "indústria do vestibular" e poder concentrado, é
herança da repressão
Publicado em 13/06/2012, 09:40
Última atualização às 11:28
A filósofa Marilena Chauí defende a instalação de uma
comissão da verdade para apurar atuação da USP durante a ditadura
(Arquivo RBA)
São Paulo – A filósofa Marilena Chauí considera que a comissão que
irá apurar a verdade sobre os episódios da ditadura (1964-85) na
Universidade de São Paulo (USP) terá a incumbência de trazer à tona as
conexões entre o passado e a estrutura atual da instituição. Durante ato
realizado na Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis
(FEA), na Cidade Universitária, a professora cobrou que o reitor João
Grandino Rodas aceite o pedido para instalar o colegiado, que teria
número igual de docentes, funcionários e estudantes.
“Há uma história subterrânea e obscura da USP que eu espero que a
comissão traga para a superfície”, afirmou a professora aposentada da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. “Não só daqueles que
sabemos que foram torturados, mortos e estão desaparecidos, mas também
dos que foram presos, dos que foram presos e torturados, o modo como se
deu a cassação dos professores, a participação ativa das congregações
dos institutos e das faculdades para cassar seus próprios colegas.”
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Ela reafirmou que a atual estrutura da USP é fruto do Ato
Institucional número 5, editado em 1968 e considerado o responsável pelo
recrudescimento das violações de direitos humanos, em especial da
tortura, e pela cassação de direitos políticos e acadêmicos. Naquele
momento, vários docentes foram expulsos desta e de outras universidades.
A diferença, para Chauí, reside no fato de que na USP não houve uma
união de todas as categorias para promover uma reforma que varresse do
arcabouço institucional as heranças da repressão.
“A ditadura se manteve nessa universidade pela estrutura que tem do
ponto de vista acadêmico, ou seja, a organização dos cursos, a
existência de créditos, matérias optativas e matérias obrigatórias, o
número de horas de aula a que o aluno é obrigado a assistir, a indústria
do vestibular. Há uma série de elementos ligados à reforma feita na
universidade pela ditadura”, disse, acrescentando que a estrutura de
poder, concentrada na figura do reitor, é um dos exemplos desta falta de
transição para a democracia.
Novamente, foram feitas críticas a João Grandino Rodas, responsável
por uma série de medidas que provocaram insatisfação entre funcionários,
alunos e professores. A mais famosa delas é o convênio firmado no ano
passado para que a Polícia Militar passasse a atuar na Cidade
Universitária – antes, o trabalho de monitoramento do campus era
promovido por uma guarda própria. De lá para cá, surgiram vários relatos
de violência por parte de policiais contra estudantes, alguns deles
documentados em imagens.
Para Paul Singer, professor da FEA e secretário de Economia Solidária
do Ministério do Trabalho, os problemas atuais estão conectados à falha
na transição da estrutura de poder da USP para a democracia. “A
proposição aqui está não só em fazer justiça aos que foram vítimas da
violência, e houve muitas. Uma grande parte, como eu, conseguiu
sobreviver, e outros não conseguiram, foram liquidados e mortos. É
importante saber da verdade não só para evitar que coisas revoltantes
venham novamente a acontecer. É mais do que isso: é entender o presente.
Entender o passado é fundamental para saber por que as pessoas são como
são.”
Ouça reportagem da Rádio Brasil Atual sobre o ato na USP
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