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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, junho 13, 2012

Chauí: "história subterrânea" da USP na ditadura precisa vir à tona com comissão da verdade

Professora e filósofa considera que estrutura da universidade, com "indústria do vestibular" e poder concentrado, é herança da repressão
Publicado em 13/06/2012, 09:40
Última atualização às 11:28
Chauí: "história subterrânea" da USP na ditadura precisa vir à tona com comissão da verdade
A filósofa Marilena Chauí defende a instalação de uma comissão da verdade para apurar atuação da USP durante a ditadura (Arquivo RBA)
São Paulo – A filósofa Marilena Chauí considera que a comissão que irá apurar a verdade sobre os episódios da ditadura (1964-85) na Universidade de São Paulo (USP) terá a incumbência de trazer à tona as conexões entre o passado e a estrutura atual da instituição. Durante ato realizado na Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis (FEA), na Cidade Universitária, a professora cobrou que o reitor João Grandino Rodas aceite o pedido para instalar o colegiado, que teria número igual de docentes, funcionários e estudantes. 
“Há uma história subterrânea e obscura da USP que eu espero que a comissão traga para a superfície”, afirmou a professora aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. “Não só daqueles que sabemos que foram torturados, mortos e estão desaparecidos, mas também dos que foram presos, dos que foram presos e torturados, o modo como se deu a cassação dos professores, a participação ativa das congregações dos institutos e das faculdades para cassar seus próprios colegas.”
Ela reafirmou que a atual estrutura da USP é fruto do Ato Institucional número 5, editado em 1968 e considerado o responsável pelo recrudescimento das violações de direitos humanos, em especial da tortura, e pela cassação de direitos políticos e acadêmicos. Naquele momento, vários docentes foram expulsos desta e de outras universidades. A diferença, para Chauí, reside no fato de que na USP não houve uma união de todas as categorias para promover uma reforma que varresse do arcabouço institucional as heranças da repressão. 
“A ditadura se manteve nessa universidade pela estrutura que tem do ponto de vista acadêmico, ou seja, a organização dos cursos, a existência de créditos, matérias optativas e matérias obrigatórias, o número de horas de aula a que o aluno é obrigado a assistir, a indústria do vestibular. Há uma série de elementos ligados à reforma feita na universidade pela ditadura”, disse, acrescentando que a estrutura de poder, concentrada na figura do reitor, é um dos exemplos desta falta de transição para a democracia.
Novamente, foram feitas críticas a João Grandino Rodas, responsável por uma série de medidas que provocaram insatisfação entre funcionários, alunos e professores. A mais famosa delas é o convênio firmado no ano passado para que a Polícia Militar passasse a atuar na Cidade Universitária – antes, o trabalho de monitoramento do campus era promovido por uma guarda própria. De lá para cá, surgiram vários relatos de violência por parte de policiais contra estudantes, alguns deles documentados em imagens. 
Para Paul Singer, professor da FEA e secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, os problemas atuais estão conectados à falha na transição da estrutura de poder da USP para a democracia. “A proposição aqui está não só em fazer justiça aos que foram vítimas da violência, e houve muitas. Uma grande parte, como eu, conseguiu sobreviver, e outros não conseguiram, foram liquidados e mortos. É importante saber da verdade não só para evitar que coisas revoltantes venham novamente a acontecer. É mais do que isso: é entender o presente. Entender o passado é fundamental para saber por que as pessoas são como são.”
Ouça reportagem da Rádio Brasil Atual sobre o ato na USP

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