Os idealistas trabalham de graça
Quando eu tinha meus 20 anos e era chefe de reportagem do "Jornal de
Jundiaí", certa vez fiquei pelo menos umas três horas trancado na sala
do dono da empresa, tentando arrancar dele um aumento para alguns
companheiros de redação, ainda mais novos que eu.
Naquele tempo ainda acreditava que o jornalismo era mais que um simples
trabalho, era um ofício com poder transformador - como muitos,
sinceramente achava que as palavras tinham força.
Não me lembro bem do fim da nossa conversa, acho que não consegui nada
para os meus colegas, mas me recordo exatamente de uma frase dita pelo
tal patrão, com certeza o pior de todos que já conheci. A frase, porém,
tal o seu grau de cinismo, era muito boa:
- Adoro os idealistas, pois eles trabalham por pouco, não preciso pagar quase nada para eles.
E assim passei grande parte de minha vida vendo os idealistas morrerem
paupérrimos por seus ideais e os maus patrões ficarem cada vez mais
ricos.
Ou então assistindo os idealistas entrarem em batalhas de mãos limpas,
desarmados, cheios de boas intenções, os corações puros e as mentes em
êxtase - e serem trucidados com a facilidade com que a gente esmaga os
insetos.
Lula foi um idealista. Como idealista perdeu a eleição em 1982 para o
governo do Estado, concorreu à presidência e foi derrotado em 1989,
perdeu novamente em 1994 e mais uma vez em 1998.
Lula perdeu todas as eleições majoritárias que disputou enquanto foi um
idealista e subia nos palanques tendo como companhia apenas a sua fúria
de idealista.
E enquanto vociferava slogans revolucionários de idealista o país afundava.
Um belo dia, Lula resolveu que se quisesse ser um vencedor não bastava ser um idealista.
Entendeu que sozinho o PT não iria nunca ser vitorioso, que precisava
fazer alianças com gente de fora para ter alguma chance eleitoral.
Compreendeu que só os idiotas ou suicidas entram numa guerra desarmados.
A partir daí, a história do Brasil mudou, queiram ou não seus inimigos de variados matizes ideológicos.
A sua foto com Maluf, celebrando o apoio do PP à candidatura de Fernando
Haddad, sei bem, chocou os idealistas. Não vou perder tempo tentando
convencê-los de nada: cada um pensa o que quiser, julga os outros como
bem entender, vota em quem achar que merece o seu voto, ou simplesmente o
anula.
Como já estou numa idade que me impede de buscar o ouro no fim do
arco-íris ou de me aprofundar em discussões sobre o sexo dos anjos,
achei que a foto de Lula com Maluf é apenas parte de um jogo muito
difícil de ser jogado e entendido por quem não é do ramo, mas que se
resume no seguinte: é melhor ganhar um aliado que um inimigo, é melhor
somar que dividir, é melhor ter mais tempo de propaganda que o
adversário, é melhor se mostrar flexível que intransigente, é melhor ser
inteligente que estúpido.
Penso assim: cada idealista com o seu ideal.
O meu, nesta eleição municipal, é o mais singelo do mundo: derrotar José
Serra. Se for sem Maluf, melhor, se tiver de ser com ele, tudo bem; se
for com Erundina, ótimo, se ela quiser pular do barco e levar junto o
seu idealismo, problema dela, que vá ser feliz em outra freguesia.
No Crônicas do Motta*comtextolivre
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