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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, junho 11, 2012

Raúl Zibechi: a nova estratégia dos EUA ameaça a América Latina

 

O governo dos Estados Unidos lançou em abril uma potente contraofensiva para recuperar o terreno perdido em uma região que continua sendo vital para a sua dominação global. Ninguém com bom senso poderia imaginar que o império deixaria dissolver a sua influência na América Latina sem jogar todas as cartas.
Raúl Zibechi*
No novo cenário mundial, marcado pela crise econômica e financeira, e quando o Pentágono precisa se concentrar no Pacífico, a sua presença neste continente não pode assumir só um perfil militar.
O general Martin Dempsey, chefe do Estado Maior conjunto, debateu no dia 1º de maio a nova Estratégia de Defesa no Carnegie Endowment for International Peace, afirmando que não só consiste em "reequilibrar" as forças armadas em direção à região Ásia-Pacífico, como disse Barack Obama em janeiro. Definiu a necessidade de "construir uma rede de alianças no mundo inteiro", para o qual será necessário "resolver os desafios pendentes, tais como as questões relacionadas com transferência tecnológica, intercâmbio de inteligência e vendas militares ao estrangeiro" (Carnegieendowment.org).
Em abril, o Secretário da Defesa, León Panetta, realizou uma viagem pela América do Sul que o levou à Colômbia, seu principal aliado militar, depois ao Brasil e finalmente ao Chile, onde acaba de ser inaugurada a base militar de Concón. "O objetivo desta viagem é participar de consultas com vários parceiros nesta região do mundo e tentar promover alianças de segurança inovadoras na região".
(http://spanish.chile.usembassy.gov).
A base de Concón, na província de Valparaíso, faz parte dessa política de "inovação". Foi construída em 60 dias pelo Comando Sul e a marinha do Chile, como campo de treinamento para a guerra urbana, as chamadas Operações Militares em Territórios Urbanos (MOUT) incluídas nas missões "humanitárias" e preventivas. Em setembro de 2011, o Ministro da Defesa chileno, Andrés Allamand, assinou um acordo de cooperação que permite "a entrada de tropas estadunidenses em solo chileno, diante da possibilidade do exército nacional ser superado por alguma situação de emergência". (El Ciudadano, 3/5/12).
Brasil
Mas o clímax da miniviagem de Panetta aconteceu no Brasil, um dia depois da entrevista com o Ministro da Defesa, Celson Amorim, na qual ofereceu ampla transferência de tecnologia se o país decidir comprar os caças F-18 Super Hornet da Boeing, ao invés dos Rafale da francesa Dassault. No dia 25 de abril, Panetta deu uma palestra na Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, onde deu detalhes de sua proposta de ampla cooperação estratégica entre os EUA e o Brasil.
Dirigiu-se às elites militares, empresariais e políticas do Brasil, não ao público em geral. Começou dizendo que os dois países "estão em um ponto crítico da história comum" (Defesanet, 25/4/12). "É o momento de nos esforçarmos no nascimento de um novo acordo, ao mesmo tempo forte e inovador, baseado nos interesses mútuos dos dois países, como potências ocidentais". Insinuou que o Brasil poderia chegar a ocupar a tão esperada cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, mas não foi claro.
Chamou a estabelecer um novo diálogo para "transformar a relação Brasil-EUA na área da defesa", envolvendo a nação emergente nas questões militares internacionais e garantiu que as relações bilaterias estão em seu melhor momento desde 1945.
Em um parágrafo crucial, falou do aspecto mais espinhoso da relação bilateral: "O Brasil é uma potência econômica e a cooperação em alta tecnologia, que precisa fluir nos dois sentidos, parece limitada pelos controles da exportação existentes atualmente. Respondendo a isto, tomamos a decisão de liberar quatro mil licenças de exportação para o Brasil, um nível semelhante ao que temos com nossos melhores aliados mundiais".
Panetta acrescentou que a compra dos 36 caças F-18 pode "transformar radicalmente a relação entre as duas indústrias da defesa" e concluiu garantindo que "Amorim é esperado em Washington, em breve, para continuar com o diáolgo".
Chantagem
Como deve ser interpretado esse discurso? Sem dúvida, acontece em um momento fundamental e delicado. A vitória de François Hollande é analisada no Brasil como a oportunidade de potencializar a aliança com a França, enquanto a presença da China na região não para de crescer. Amorim garantiu meses atrás que a decisão da compra dos caças será tomada na metade do ano, mas logicamente, depois das eleições francesas. Este é o momento. No entanto, o império não costuma ofertar uma ampla transferência tecnológica pela compra de três dúzias de aviões. O objetivo parece mais ambicioso: o Pentágono realiza sua "generosa" oferta tecnológica e diplomática (a cadeira no Conselho de Segurança) em troca de uma submissão militar e estratégica. Na minha opinião, é uma chantagem.
Os documentos revelados pelo Wikileaks afirmam que em 2009, os EUA tentaram sabotar a transferência de tecnologia espacial e nuclear da Ucrânia ao Brasil (Defesanet, 13/5/12), dois aspectos decisivos para a autonomia estratégica do país emergente. Mas o Brasil já está desenvolvendo tecnologia espacial com a China e tem o seu próprio e avançado programa nuclear. A mensagem é clara: se Brasília não se subordinar, o cerco militar será cada vez mais estreito, como demonstra a nova base militar no Chile.
Não é simples antecipar o caminho que será tomado pelas elites brasileiras. Por muito menos, Getúlio Vargas foi encurralado até ser levado ao suicídio. As próximas semanas revelarão boa parte do enigma: a demorada decisão da compra dos caças mostrará o estado de ânimo que impera no país que se propõe unir a região para falar com voz própria ao mundo.
*Raúl Zibechi é analista uruguaio de assuntos internacionais e foi integrante do movimento Tupamarus
Fonte: Surysur
Tradução: TeleSUR
*GilsonSampaio

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