Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, junho 13, 2012

A s anta Sé em apuros

 

 

“Não se pode dirigir a Igreja apenas com Ave-Maria.” Nada santa, essa frase saiu da boca do falecido arcebispo Paul Casimir Marcinkus, responsável pela gestão, a partir de 1971, do Instituto para as Obras Religiosas (IOR), conhecido mundialmente como Banco Vaticano. Marcinkus, responsável por um dos maiores escândalos da história da Igreja, transformou o Banco Vaticano numa lavanderia de dinheiro sujo e, para tal tarefa, à disposição de políticos poderosos, empresários potentes, maçons influentes da Loja P2, cardeais endinheirados e chefões das máfias siciliana e norte-americana. Para isso, Marcinkus, do Banco Vaticano, uniu-se a Michele Sindona, da Banca Privata Italiana e apelidado de “banqueiro da Máfia”, e a Roberto Calvi, do Banco Ambrosiano e apelidado de “banqueiro de Deus”.
A aliança resultou em quebradeiras de bancos e num inédito, vultoso e silencioso prejuízo para a Santa Sé. Esse rombo financeiro levou à busca de novas fontes de arrecadação e inventou-se um extraordinário Ano Santo em 1983: o ano jubilar, nascido em 1300, era feito a cada 25 anos e o último havia ocorrido em 1975.
Apesar dos pesares, Marcinkus manteve-se à frente do Banco Vaticano até 1989. Ele sobreviveu no cargo depois do (1) misterioso envenenamento de Sindona (1986), na cadeia e após sorver, sem saber, uma taça de café com cianureto, e do (2) assassinato de Calvi (1982), com enforcamento simulado na emblemática ponte londrina dos Frades Negros.
Pela falta de autópsia e sem acreditar no atestado de parada cardíaca, muitos ligaram a morte do papa Luciani (João Paulo I), ocorrida em setembro de 1978, ao IOR, que ele avisou que iria enquadrar no seu pontificado. Luciani, homem de fé e inconteste retidão moral, não tinha, quando patriarca de Veneza, concordado com a venda do Banco Católico do Vêneto para o Ambrosiano, de Calvi, e numa manobra de Marcinkus.
Muito se falou sobre a permanência de Marcinkus no IOR e no pontificado do papa Wojtyla (João Paulo II). Mas, como sabem até as colunas de Bernini que abraçam a Praça de São Pedro, do caixa do IOR, com o nihil obstat de Marcinkus, saíram 100 milhões de dólares para a federação sindical polonesa Solidarnosc (Solidariedade), dirigida por Lech Walesa, um ponta- de-lança do papa Wojtyla na cruzada pelo fim do comunismo.
No pós-Marcinkus, e como escreveu Gianluigi Nuzzi no best seller Vaticano S/A, surgiu um novo e sofisticado sistema de contas cifradas tendo como artífice o cardeal Donato de Bonis: “Contas cifradas de banqueiros, empresários e políticos de ponta”.
Para salvar o IOR das chamas do inferno e cuidar de um patrimônio líquido avaliado em 5 bilhões de euros, o papa Bento XVI confiou a sua presidência, em setembro de 2009, ao financista católico e docente universitário Ettore Gotti Tedeschi. A meta de Gotti Tedeschi era adotar as normas antirreciclagem da União Europeia, mas sucumbiu às resistências, à força do Conselho de Administração e ao inimigo Tarcisio Bertone, secretário de Estado desde 2008, carreira grudada à batina de Ratzinger, e acusação de encobrir, para evitar escândalos na Igreja, casos de clérigos pedófilos.
Em fevereiro passado, o IOR complicou-se com o sequestro, pela Magistratura italiana, de 23 milhões de euros. Tudo por suspeita de lavagem em bancos italianos e em operações proibidas pelas normas antirreciclagem da União Europeia. No mesmo dia da prisão do mordomo do papa por posse proibida de documentos secretos e por suspeita de promover a fuga de notícias, houve a suspensão de Gotti Tedeschi à frente do IOR e sua substituição pelo brasileiro Ronaldo Hermann Schmitz, - nascido em Porto Alegre.
A suspensão não foi engolida por alguns membros da Comissão Cardinalícia de Vigilância do IOR e um braço de ferro está sendo travado com o cardeal Bertone, que preside a referida Comissão. Por seu turno, Gotti Tedeschi, com uma vida de serviços de católico prestados no Vaticano, espera por uma conversa com Ratzinger e já se fala que assumirá outro cargo de prestígio.
O caso do ex-mordono Paolo Gabriele, que por colaborar poderá obter o perdão do papa, serviu para deixar em segundo plano o caso do IOR. Como dizem que o diabo não dorme, um novo foco de incêndio esquenta o Vaticano e se refere aos sequestros, em 1983 e quando tinham 15 anos, de Emanuela Orlandi e Mirella Gregori, a primeira nascida e então residente no Vaticano. Elas continuam desaparecidas e o mais novo filão investigativo aponta para clérigos pedófilos. Isso a partir de depoimento do arcebispo Bernard Law, defenestrado de Boston por não denunciar padres pedófilos.
Os desaparecimentos serão tema de uma próxima coluna. Por enquanto, fica a lembrança que os magistrados italianos (estão no caso porque Mirella é italiana e foi sequestrada em Roma) não abandonaram outra pista. Ou seja, de os sequestros estarem relacionados às operações de reciclagem do IOR.
Wálter Maierovitch
No CartaCapital

Nenhum comentário:

Postar um comentário