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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, abril 02, 2013

Por Álvaro Cunhal

Ser comunista não consiste apenas em ter um objetivo político e lutar pela sua realização. Ser comunista não é apenas uma forma de agir politicamente. É uma forma de pensar, de sentir e de viver. E isto significa que os comunistas, não só têm objetivos políticos e sociais, não só têm uma ideologia e um ideal de transformação da sociedade, como têm também uma moral própria, diferente da moral da burguesia e superior a ela.

A moral comunista assenta numa base objetiva que determina a sua natureza de classe.

De fato, a base material da moral comunista são as condições de trabalho e de vida do proletariado, a sua luta contra o capital, e, depois da revolução socialista vitoriosa, a sociedade libertada da exploração do homem pelo homem. A moral comunista integra princípios herdados do patrimônio ético do passado. Mas o que a caracteriza e diferencia são os princípios que resultam da natureza, dos objetivos e da missão histórica do proletariado. A coesão, a solidariedade, a ajuda recíproca, a abnegação, a generosidade, a combatividade, a determinação, a capacidade de sacrifício, a disciplina, a confiança em si próprio e no futuro, são elementos éticos que resultam das próprias condições de trabalho e de vida da classe operária, dos seus objetivos e da sua luta. 

A moral proletária e comunista desenvolveu-se e continua a desenvolver-se com o avanço da luta de classes e a evolução social. Espontânea e instintiva — antes da criação do socialismo científico. Formulada, sistematizada, expurgada de elementos estranhos e contrários — pelo marxismo. Encarnada, institucionalizada em princípios de conduta e transformada num instrumento de influência na classe e nas massas — pelos partidos comunistas. Enriquecida com a nova realidade e como uma das bases da criação do homem novo — pela construção do socialismo. Ao longo de todas estas fases, a moral comunista conservou sempre a sua raiz e a sua natureza de classe — classe à qual cabe o papel determinante da transformação social na época histórica em que vivemos.

A moral comunista sofre o influxo criativo e formativo do ideal político e da prática revolucionária.

A missão histórica do proletariado, a luta contra a exploração e a opressão, contra o parasitismo e as injustiças sociais, pela igualdade dos seres humanos independentemente do sexo, da nacionalidade e da raça, as vitórias e realizações na construção do socialismo, as exigências e sacrifícios que aos militantes coloca a prática revolucionária, exercem poderosa influência na formação dos conceitos morais, acentuando os traços de generosidade, de dedicação, de isenção, de respeito pelos outros, de respeito pela verdade, de coragem, de sacrifício, de heroísmo. 

Enquanto o capitalismo, o imperialismo, o chauvinismo, o colonialismo, o neocolonialismo, o racismo, se traduzem no plano moral por conceitos e sentimentos de egoísmo, rapacidade, domínio ilegítimo, desprezo pelos outros seres — a causa operária inspira conceitos e sentimentos de generosidade, de fraternidade, de solidariedade, de amor pelo ser humano. O ideal político comunista é inspirador de uma moral superior. A prática revolucionária dos comunistas é uma escola de elevada educação moral e de formação do carácter.

* Álvaro Cunhal foi um político, escritor e teórico socialista de Portugal, que dedicou sua vida ao ideal comunista

Texto extraído da obra O Partido com paredes de vidro
*centro do socialismo

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