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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, abril 02, 2013

O primeiro embate, por Vladimir Safatle

O primeiro embate, por Vladimir Safatle



VLADIMIR SAFATLE
Os embates em torno da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara talvez sejam o primeiro capítulo de um novo eixo na política brasileira.
A maneira aguerrida com que o deputado Marco Feliciano e seus correligionários ocupam espaço em uma comissão criada exatamente para nos defender de pessoas como eles mostra a importância que dão para a possibilidade de bloquear os debates a respeito da modernização dos costumes na sociedade brasileira. Pois, tal como seus congêneres norte-americanos, apoiados pelo mesmo círculo de igrejas pentecostais, eles apostam na transformação dos conflitos sobre costumes na pauta política central. Uma aposta assumida como missão.
Durante os últimos anos, o conservadorismo nacional organizou-se politicamente sob a égide do consórcio PSDB-DEM. Havia, no entanto, um problema de base. O eleitor tucano orgânico é alguém conservador na economia, conservador na política, mas que gosta de se ver como liberal nos costumes. Quando o consórcio tentou absorver a pauta do conservadorismo dos costumes (por meio das campanhas de José Serra), a quantidade de curtos-circuitos foi tão grande que o projeto foi abortado. Mesmo lideranças como FHC se mostraram desconfortáveis nesse cenário.
Porém ficava claro, desde então, que havia espaço para uma agremiação triplamente conservadora na política brasileira. Ela teria como alicerce os setores mais reacionários das igrejas, com suas bases populares, podendo se aliar aos interesses do agronegócio, contrariados pelo discurso ecológico das "elites liberais". Tal agremiação irá se formar, cedo ou tarde.
Nesse sentido, o conflito em torno dos direitos dos homossexuais deixou, há muito, de ser algo de interesse restrito. Ele se tornou a ponta de lança de uma profunda discussão a respeito do modelo de sociedade que queremos.
A luta dos homossexuais por respeito e reconhecimento institucional pleno é, atualmente, o setor mais avançado da defesa por uma sociedade radicalmente igualitária e livre da colonização teológica de suas estruturas sociais. Por isso, ela tem a capacidade de recolocar em cena as clivagens que sempre foram o motor dos embates políticos.
A história tem um peculiar jogo por meio do qual ela encarna os processos de transformação global em lutas que, aparentemente, visam apenas a defesa de interesses particulares.
Ao exigir respeito e reconhecimento, os homossexuais fazem mais do que defender seus interesses. Eles confrontam a sociedade com seu núcleo duro de desigualdade e exclusão. Por isso, sua luta pode ter um forte poder indutor de transformações globais.
VLADIMIR SAFATLE

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