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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, agosto 31, 2013

O pronunciamento de Chelsea Manning após ouvir sua condenação




No pronunciamento ao ouvir condenação, ex-militar dispara: “Na guerra, EUA esqueceram sua humanidade. Cumprirei minha pena sabendo que é alto o preço de viver em liberdade”

Por Chelsea Manning (ex Bradley Manning) | Tradução: Rute Bevilaqua e Peter Caplan (Outras Palavras)
chelsea manning
Chelsea Manning (Divulgação)
As decisões que adotei em 2010 foram tomadas em preocupação com o meu país e com o mundo em que vivemos. Desde os trágicos eventos de onze de setembro, estamos em guerra – com um inimigo que optou por não nos enfrentar numa batalha tradicional. Devido a este fato, tivemos de adotar novos métodos para combater os riscos que nós e nosso modo de vida correm.
Inicialmente, concordei com estes métodos e escolhi ser voluntário para ajudar a defender meu país. Apenas quando eu estava no Iraque, lendo relatos militares secretos todos os dias, comecei a questionar a moralidade do que estávamos fazendo. Então, dei-me conta de que, em nossos esforços para enfrentar os riscos impostos pelo inimigo, esquecemos nossa humanidade. Escolhemos conscientemente desvalorizar a vida humana, tanto no Iraque quanto no Afeganistão. Quando enfrentamos àqueles que entendemos como inimigos, nós algumas vezes matamos civis inocentes. Sempre que matávamos civis inocentes, ao invés de aceitar a responsabilidade por nossa conduta, preferíamos nos esconder atrás do véu da segurança nacional e informações sigilosas, para evitar qualquer prestação de contas pública.
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Em nosso zelo para matar o inimigo, nós internamente discutíamos a definição de tortura. Prendemos indivíduos em Guantanamo por anos, sem os devidos processos. Inexplicavelmente, fazíamos vista grossa às torturas e execuções praticadas pelo governo do Iraque. E engolíamos muitas outras coisas em nome da nossa guerra ao terror.
Patriotismo é frequentemente o grito de exaltação, que se lança quando atos moralmente questionáveis são defendidos por aqueles no poder. Quando estes gritos de patriotismo abafam quaisquer intenções baseadas na lógica, um soldado americano é normalmente mandado para realizar uma missão mal- concebida.
Nossa nação viveu momentos igualmente sombrios para as virtudes da democracia: a Trilha das Lágrimas [remoção dos índios da parte sudeste dos EUA em 1831], a decisão Dred Scott [apoiando a escravidão em 1857], o macartismo, os campos de concentração de japoneses residentes na América [durante a segunda guerra mundial], para nomear uns poucos. Estou confiante de que muitas de nossas ações desde o onze de setembro serão vistas de forma similar. Como disse uma vez Howard Zinn, “Não existe uma bandeira grande o suficiente para cobrir a vergonha de matar gente inocente”.
Eu entendo que minhas ações violaram a lei, e lamento se prejudicaram alguém, ou prejudicaram os Estados Unidos. Nunca desejei prejudicar ninguém: somente quis ajudar as pessoas. Quando optei por divulgar informações sigilosas, eu o fiz por amor ao meu país e um sentido de dever para com outros.
Se vocês negarem meu pedido de perdão, cumprirei minha pena sabendo que algumas vezes temos que pagar um preço alto para viver numa sociedade livre. Eu pagarei este preço, se isso significar que podemos ter um país que seja verdadeiramente concebido na liberdade e dedicado à proposição de que todos os homens e mulheres são iguais.
*Pragmatismopolitico

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