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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, agosto 24, 2013

Há 59 anos, se suicidava Getúlio Dorneles Vargas.


O suicídio do Presidente Getúlio Vargas foi o desfecho trágico de um período de crise política do país que teve como um de seus principais artífices o então governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, o corvo.

O episódio conhecido como “atentado da Rua Toneleros”, do qual saiu ferido de morte o major Rubens Florentino Vaz, além de o próprio Carlos Lacerda, provável alvo do atentado, ter supostamente recebido um tiro num dos pés, foi a gota d’água que terminou por desestabilizar irremediavelmente o governo de Getúlio Vargas.

Foi impossível para Vargas administrar tantas pressões que lhe chegavam de todos os lados. As Forças Armadas praticamente não lhe respeitavam mais a autoridade de Comandante.

Após dois mil oficiais aviadores terem se reunido no Clube da Aeronáutica para estudar o caso, ficou decidida a instauração de um inquérito próprio, que correria paralelamente àquele que estava sendo feito pelo Ministério da Justiça. As Forças Armadas se tornaram um quase governo paralelo, que ficou conhecido como República do Galeão.

Em pouco tempo, chegou-se à conclusão de que o mandante do atentado havia sido um membro da Guarda Pessoal do Presidente, o “tenente” Gregório Fortunato. No dia 22 de agosto, um grupo de oficiais das Forças Armadas encabeçado pelo brigadeiro Eduardo Gomes publicou um manifesto em que se exigia a renúncia do Presidente da República. Num discurso em Belo Horizonte, Vargas declarou que cumpriria seu mandato até o fim. Enquanto isso já havia tumulto nas ruas, e o povo – inflamado pela campanha antigetulista promovida pela imprensa reacionária, sobretudo pelo jornal “Tribuna da Imprensa”, de propriedade de Carlos Lacerda – exigia justiça (da mesma forma que exige hoje em relação à AP 470 do MENTIRÃO).

Getúlio Vargas passou as primeiras horas da madrugada do dia fatídico numa reunião com ministros no Palácio do Catete. Já pela manhã o Repórter Esso anunciaria a primeira notícia de impacto daquele dia. Repare que, nessa primeira inserção matutina do noticiário, o Presidente é tratado por “Senhor”:

“Rio. Urgente. O SENHOR Getúlio Vargas acaba de licenciar-se da Presidência da República pelo período de três meses. No decorrer da dramática reunião do Ministério, esta madrugada, o SENHOR Getúlio Vargas repeliu a proposta de renúncia que lhe foi transmitida pelo general Zenóbio da Costa, ministro da Guerra, em nome dos chefes militares. (...) A notícia da licença do presidente Getúlio Vargas foi anunciada às quatro horas e quarenta e cinco minutos da manhã de hoje. Assumirá a chefia do governo o vice-presidente, senhor João Café Filho.”

Por volta das oito e meia daquela mesma manhã, entrou novamente no ar o Repórter Esso:

“Rio. Urgente. O PRESIDENTE Getúlio Vargas acaba de suicidar-se com um tiro no coração, às oito horas e vinte e cinco minutos, em seus aposentos particulares do Palácio do Catete. (...) Foi encontrado um bilhete do próprio punho do presidente: ‘À sombra de meus inimigos deixo o legado da minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer pelos humildes tudo aquilo que desejava’.”

Daí por diante, a gente conhece toda a história. Desde a comoção popular desabalada que tomou todo o Brasil até as conturbadas sucessões presidenciais (Juscelino, Jânio e Jango) que desaguariam no tenebroso golpe de 1964.

Acho que vale a reflexão sobre o potencial destruidor que as campanhas de desestabilização de governos possuem. Quando os setores reacionários da sociedade se unem contra um governo popular, quem sofre o maior golpe é a democracia. Em 1954, o suicídio de Vargas freou o golpe que os setores reacionários da sociedade planejavam. Mas a imprensa golpista que atua em defesa desses setores não descansou e, dez anos mais tarde, alcançaria seu objetivo, depondo o presidente João Goulart, suspendendo a democracia no Brasil e instaurando uma ditadura que fez a festa do capital internacional e a miséria do povo brasileiro.
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A seguir, a íntegra da Carta-testamento de Getúlio Vargas:

“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.

Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.

E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.”
*Amoralnato

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