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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, agosto 23, 2013

  McDia Sonega Esperança


McDonald04_Crianca Leandro Fortes,
A classe média brasileira tem dois momentos muito específicos durante o ano para expurgar o pouco que lhe resta de culpa pequeno burguesa. Ambos ocorrem, curiosamente, no mês de agosto, e são patrocinados por duas corporações bilionárias.
O primeiro, é este Criança Esperança, um mosaico sentimentaloide de mensagens edificantes que se intercala ao que, normalmente, se tem de pior no showbusiness nacional.
A ideia é convencer o telespectador de que, além de dar audiência à TV Globo e aturar Xuxa, aos 50 anos, falando com voz de bebê, ele deve também contribuir para o futuro de crianças sobre as quais ele nada sabe – e sequer tem certeza que existem de verdade.
Estamos falando de uma campanha nacional feita por uma empresa que, sabe-se agora, sonegou R$600 milhões em impostos no Brasil. Esses mesmos impostos usados para infraestrutura, construções de escolas e saneamento básico, coisas que, estas sim, trazem esperança às crianças da vida real, do Brasil real, do mundo real.
O outro momento é o Mac Dia Feliz, quando milhares de crianças se entregam alegremente às 504 calorias do gorduroso Big Mac para salvar crianças com câncer, embora ao custo de elas mesmos sofrerem os males da obesidade infantil.
Nesse mesmo dia, milhares de adolescentes bem nascidos se apresentam como voluntários nas portas dos McDonald’s Brasil afora para trabalhar de graça para uma das maiores e mais ricas corporações do planeta. São os mesmos adolescentes que acham lindo trabalhar de garçom em Orlando, mas um horror fazer o mesmo serviço no Brasil, onde terão de se misturar com pobres locais que, ainda por cima, são monoglotas.
Então, por que em vez de montar esses aparatos monumentais de marketing, TV Globo e McDonald’s, simplesmente, não fazem uma doação anual para as crianças sem esperança do Brasil, com ou sem câncer?
Resposta: porque eles precisam que você participe dessa propaganda disfarçada de solidariedade, seu bobão.

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