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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, agosto 24, 2013

Negro é lindo!
 
Maria Rita Casagrande, autora do blog True Love, analisa como o conhecimento e o orgulho pela história e cultura negra podem ajudar a proteger as crianças do racismo
Por Maria Rita Casagrande, no Blogueiras Negras
Há umas duas semanas recebi da escola de meu filho um documento de atualização cadastral. Qual não foi minha surpresa: para a escola, ele mora na mesma residência que ambos os pais (que não residem juntos desde que a criança tem 1 ano) e ele é BRANCO. A primeira reação é a de imaginar que alguém cometeu um erro. Talvez fosse mais fácil replicar um endereço apenas, ao invés da tediosa tarefa que é preencher um endereço para a mãe e outro para o pai. Mas como explicar para mim e para a criança que a cor dele não foi notada?
Ele me entregou a ficha já fazendo a observação – Tá errado, eu não sou branco!
O negro, ao longo da história, foi tão apontado como feio, inferior, burro, que isto ainda traz consequências nocivas para nós negros e permite que “erros” como este sejam cometidos na intensão de ser agradável. Na ficha consta BRANCO porque evitaria que nós , a família (mãe negra, pai branco), nos ofendêssemos com o NEGRO estampado no papel, o preconceito interiorizado de quem enxerga desvantagens em ser negro, que faz as associações como cabelo ruim e o asqueroso “black service” e o “afinal quem quer ser negro?”.
(Foto: Pink Sherbet / Creative Commons)
Já se passaram muitos anos desde o “Black is Beautiful” , movimento cultural iniciado por negros nos Estados Unidos na década de 60, que mais tarde se espalhou entre negros do mundo todo. O movimento tinha como meta eliminar a noção de que as características naturais dos negros, como cor da pele, traços faciais e cabelo são inerentemente feios. O movimento também incentivou homens e mulheres a pararem de tentar eliminar traços identificados como africanos, como não endireitar o cabelo ou tentar clarear sua pele.
O esforço do movimento era para contrariar a ideia típica prevalecente na cultura americana (não apenas na americana, compartilhamos desta mesma ideia aqui no Brasil) de que negros são menos atraentes ou desejáveis do que os brancos, tendo em vista que uma ideia negativa a respeito da negritude é altamente prejudicial para a psiquê dos afrodescendentes.
Como não estamos mais nos revolucionários anos 60 e o mundo atual é multicultural, uma pluralidade de heranças, classes sociais, credos e cores e nossos filhos estudam em salas coloridas como um arco íris de pessoas e convivem com crianças de lugares diferentes do globo terrestre, não há a menor necessidade de enfatizar o orgulho negro ainda mais, certo? ERRADO!
Apesar de terem oportunidades diferentes de seus antepassados, as crianças afrodescendentes ainda possuem dificuldade de estar orgulhosos de sua herança racial. Como tão bem explicitado na repetição do teste das bonecas da década de 40, no qual os psicólogos negros Kenneth e Mamie Clark mostram uma boneca branca e uma negra para que crianças relacionem aspectos positivos e negativos a elas. A boneca branca acaba por ser a escolhida pelas crianças pelas características positivas enquanto a negra era preterida. O mesmo teste foi feito em 2006 e o resultado foi semelhante.
Diante de situações como estas ou de pedidos como “eu quero uma franja”, “eu quero ser branco”, “porque não sou igual a minha coleguinha” ou “porque me chamam de preto se é cor de lápis”, mesmo a mais preparada das mães ou pais paralisa. Paralisamos porque passamos por situações semelhantes, paralisamos porque doeu em nós e pode doer neles.
De acordo com uma pesquisa publicada no Journal of Child Development, estimular o interesse de uma criança negra a aprender sobre sua raça faz mais do que lhes dar impulso pessoal, também auxilia academicamente esta criança. O estudo foi conduzido por Ming-Te Wang e James P. Huguley da Universidade de Pittsburg e da Universidade de Harvard, respectivamente, e constatou que “a socialização racial”, ensinar as crianças sobre a sua cultura e envolvê-los em atividades que promovam o orgulho racial e conexão ajuda a compensar a discriminação racial e os preconceitos que as crianças enfrentam pelo mundo exterior.
O ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, a luta dos negros no Brasil, A cultura Negra Brasileira e O Negro na formação da sociedade nacional é obrigatório por lei desde 2003 em todas as escola do país. Mas seria isto o bastante para ensinarmos aos nossos filhos o quanto eles são lindos? Será isto que fará com que nosso filho ame a cor da sua pele? Este ensino não é aplicado para crianças na primeira infância (de 0 a 6 anos) , período decisivo na formação da personalidade, do caráter e do modo de agir do adolescente e do adulto.
Precisamos criar o hábito de elogiar nossos filhos. Edificar uma criança é como vestir-lhe uma armadura, tão forte que elemento nenhum da sociedade poderá feri-lo diante de suas certezas de que Negro é Lindo. Quantos de nós, adultos negros, sentimos a dificuldade de aceitar e acreditar em um elogio sincero. Não conseguimos nos acostumar com o “você é lind@”, “você é muito inteligente”. Isso não nos foi repetido com o furor necessário para que ficasse claro que podemos ser, sim, lind@s, inteligentes, poderos@s.

 
“Você é gentil. Você é inteligente. Você é importante” – The Help
Alguns métodos que eu adotei dentro de casa e acredito serem válidos:
Conte histórias: conte você mesmo a história dos negros pelo mundo, as coisas incríveis que nossos antepassados já fizeram, nossas lutas, conquistas , dificuldades e vitórias.
Brinquedos: hoje já conseguimos encontrar bonecas negras com maior facilidade (não com a mesma oferta e em todos os locais). É importante discutir a singularidade e a beleza de cada uma destas bonecas. Servirá de alicerce para a construção da autoestima desta menina ou menino (sim, ensine também que homens podem cuidar de um outro ser humano).
Ligue os pontos: situe seu filh@ com relação aos laços culturais que nos ligam ao nosso lar ancestral – a África. Seja o penteado trançado, a comida que vai pra nossa mesa, no ritmo da música que a gente escuta. Pontue que esta é nossa herança, nosso legado.
Incentive a aprendizagem multicultural: existem negros no mundo inteiro. A história dos negros americanos é diferente da dos negros caribenhos. Ensine a história dos povos indígenas, asiáticos, europeus. Crianças são curiosas e o conhecimento não só aumenta a autoestima como ensina o respeito.
E este último é um exercício para você que me lê. Corre no espelho e repete agora para não esquecer nunca mais: Você é gentil. Você é inteligente. Você é importante. A autoestima dos pais reflete diretamente na da criança. Tenha orgulho e acredite que você é capaz de ensinar e seu filh@ capaz de aprender!
*revistaforum

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