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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, agosto 30, 2014

A derrota de Israel


Ilustração: Junião/Ponte Jornalismo
Ilustração: Junião/Ponte Jornalismo
Abdel Latif Hasan Abdel Latif, Medico palestino
Após 51 dias de ataques israelenses contra Gaza, por mar, ar e terra, Israel foi obrigado a parar com o massacre contra os palestinos.
Apesar dos mais de quinze mil vítimas palestinas, mortos e feridos, dos quinhentos mil desabrigados, da infraestrutura e mais de onze mil casas e edifícios destruídos, Israel não alcançou nenhum dos seus objetivos: não acabou com o Hamas, não conseguiu enfraquecer a resistência palestina, não acabou com os foguetes e foi obrigado a negociar com uma delegação palestina, que incluía membros do Hamas.
Milhares de palestinos saíram nas ruas de Gaza, Cisjordânia e nos campos de refugiados do Líbano e Jordânia, para festejar o fim dos ataques.
Para eles, a resistência e o povo de Gaza saíram vitoriosos e não poderia ser diferente. Quando o lado mais forte não consegue uma vitória total, ele sai derrotado e quando o mais frágil não é derrotado, é porque sairá vitorioso.
Para os palestinos, os recentes ataques contra Gaza são apenas uma batalha em uma longa guerra que Israel trava contra os palestinos há 70 anos.
A despeito da superioridade militar israelense e das grandes perdas palestinas, Israel não vencerá a guerra. Os motivos são muitos, mas mencionam-se apenas três:
1º As justificativas e mentiras de Israel para lançar seus ataques não mais convencem nem seus aliados.
Em uma entrevista para o site “Democracy now”, Henry Siegman, um dos líderes da comunidade judaica nos Estados Unidos e ex-diretor executivo do Congresso Judaico Americano, disse que nenhum país e nenhum povo no mundo aceitaria viver nas condições que os palestinos de Gaza são obrigados a viver. Disse isso, descartando a justificativa chavão de Israel para suas agressões de que nenhum país toleraria foguetes contra seu território.
Siegman afirmou que a moralidade da ação israelense depende primeiramente da análise de se Israel poderia fazer algo para prevenir o desastre humanitário que está promovendo em Gaza. Poderiam os israelenses fazer algo que não custasse tão alto preço humano? A resposta, certamente, é sim: acabar com a ocupação.
Siegman vai além e questiona a legitimidade de Israel e a sanidade do projeto sionista. Segundo ele, “quando penso que tudo isso é necessário para a sobrevivência de Israel e que o sonho sionista causa reiterados massacres de inocentes em escala ta grande quanto temos assistido, isso nos coloca em crise muito profunda”.
Ele afirma que o objetivo final de Israel é impedir o estabelecimento de um Estado palestino soberano nos territórios palestinos ocupados em 1967.
Siegman afirma que Netaniahu quer obrigar os palestinos a se submeterem ao seu plano de “solução final” do problema palestino: guetos em Gaza e Cisjordânia, sob controle total de Israel.
Ele observa que a solução pretendida por Netaniahu levaria ao desaparecimento de Israel no máximo em 50 anos.
2º A luta dos palestinos é uma demanda pelos mais básicos direitos humanos: liberdade e autodeterminação.
Cada vez mais pessoas percebem a essência dessa luta, deixando a posição israelense cada vez mais indefensável.
Yizthak Frankenthal, judeu israelense, cujo filho foi seqüestrado e morto pelo Hamas em 1994, escreveu no sítio PAZAGORA.ORG, em 2002, que “nos últimos dois anos, parei de vê-los (palestinos) como terroristas e passei a enxergá-los como soldados palestinos. Aqueles que mataram meu filho eram soldados palestinos lutando pela sua liberdade. Seria muito mais fácil odiá-los, mas creio que não é correto classificá-los como terroristas, pois se assim fosse, deveríamos lutar duramente contra eles, o que significa combater a população civil palestina, uma guerra que não podemos vencer”.
Frankenthal lamentou a morte dos filhos e da mulher do líder militar do Hamas, Mohamed Al Daif, durante o mais recente massacre israelense contra Gaza.
Ele perguntou: “Que culpa tem eles? Que culpa tem o próprio Daif? Eles são as vítimas. Nós,judeus, obrigamos os palestinos a se defenderem contra nossos atos. Quando recusamos fazer a paz com eles, quando construímos assentamentos ilegais nas suas terras e quando violamos seus direitos, o que eles podem fazer? O que nós faríamos no lugar deles? Aqueles que acreditam que os massacres podem derrubar um povo que luta pela sua liberdade, estão enganados”.
Frankenthal encerra com a questão: “Quando nós israelenses vamos perceber que apenas Justiça trará segurança para nós”?
O pai do soldado Shalit, seqüestrado pelo Hamas e libertado em troca de prisioneiros palestinos, disse que se fosse palestino, seria “terrorista” do Hamas e seqüestraria soldados israelenses, alegando que aos palestinos, não restaram opções.
Lutar pela liberdade e pelo fim da limpeza étnica, opressão e apartheid promovidos por Israel, é direito e dever dos palestinos. A ocupação é crime contra a humanidade e requer a condenação universal.
3º Para manter o status quo na Palestina ou chegar a uma solução final conforme os termos israelenses, Israel necessita aplicar cada vez mais os mesmos meios que usa desde sua criação: genocídio e limpeza étnica. Poucos no mundo são capazes de defender abertamente esses meios.
Em carta publicada no jornal New York Times, em 23/08/2014, centenas de sobreviventes e descendentes condenaram o massacre de Israel em Gaza.
Escreveram: “Como sobreviventes e seus descendentes judeus do genocídio nazista condenamos o massacre dos palestinos em Gaza e a ocupação e colonização da Palestina histórica em curso.
O genocídio começa com o silêncio do mundo.
Devemos elevar nossas vozes e usar nosso poder coletivo para por fim a todas as formas de racismo, inclusive o genocídio em curso do povo palestino”.
Quando sobreviventes judeus do holocausto nazista irmanam seu sofrimento ao martírio dos palestinos sob ocupação ou mesmo dentro de Israel, o Estado judeu está indo contra o curso da História. Não importa quantas vitórias militares consiga, caminha para sua derrota final.
Abdel Latif Hasan Abdel Latif. Medico palestino

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