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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, agosto 30, 2014

O racismo contra o goleiro do Santos


Por Dennis de Oliveira, na revista Fórum:

O jogo Grêmio e Santos, no dia 28 de agosto, no Estádio Olímpico, foi palco de mais uma manifestação racista. Desta vez, a vítima foi o goleiro santista Aranha, chamado de “macaco” e “preto fedido” por torcedores gremistas na partida vencida pelo alvinegro praiano por 2 a 0.

O episódio aconteceu no final da partida, aos 43 minutos do segundo tempo. Assisti ao VT da partida. O Santos fez dois a zero no primeiro tempo e depois segurou o resultado. Aranha foi um dos jogadores mais importantes nesta vitória, pois no segundo tempo, só deu Grêmio. Algumas defesas do goleiro santista foram fundamentais para o resultado positivo.

Por que estou dizendo isto? Justamente pelo fato do racismo sempre se apresentar como uma “reserva argumentativa” em situações como esta. O lema de “vencer a qualquer custo” impregnado nos torcedores e até jogadores e técnicos – que, inclusive, incentiva a violência generalizada nos estádios e fora deles – traz consigo o racismo, o machismo e a homofobia como comportamentos frequentes. E acontecem simplesmente porque o racismo, o machismo e a homofobia estão impregnados na sociedade brasileira. Ainda que tenha se avançado nas políticas de combate a estes mecanismos, eles ainda persistem no imaginário.

Na defesa de uma orientanda minha de doutorado na Pós Graduação em Direitos Humanos da USP, o meu amigo professor Salvador Sandoval, da PUC/SP, estudioso dos mecanismos de opressão e autoritarismo social, disse que as normas legais podem coibir comportamentos mas não pensamentos.

É aí que quero meter a minha contribuição neste debate, para irmos além da justíssima indignação que muitos tiveram contra este episódio. Existe impregnado na sociedade brasileira pensamentos autoritários, em especial o racismo e o machismo, principalmente porque estes sustentam hierarquias sociais. Para a torcedora branca gremista Patrícia Moreira, flagrada no ato racista nas arquibancadas da Arena Grêmio, “como um negro ousa atrapalhar a vitória do meu time?” Assim, como os casos de racismo contra estudantes negros que ingressam nas universidades por meio de ações afirmativas, “como ousam querer dividir um espaço que é só meu?”.

Por isto, embora sejam importantes os mecanismos institucionais de punição ao racismo e inserção de afrodescendentes, eles não são suficientes por si só para coibir o racismo. O mesmo ocorre com o machismo. Isto porque são ideologias que sustentam uma determinada forma de relação social. E as ideologias se realizam nas práticas cotidianas. Daí a necessidade de se denunciar, de ser vigilante, de apontar o dedo quando expressões, comportamentos, falas, atitudes denotam racismo (e também machismo e homofobia). Não se trata de impor a ditadura do politicamente correto, mas de combater o politicamente fascista (emprestando uma fala do escritor Marcelo Rubens Paiva).

Neste sentido, fez bem Aranha indignar-se e denunciar o episódio. Ir até o fim com isto, independente da morosidade da Justiça ou da má vontade dos cartolas do futebol. Não apenas para punir os torcedores, mas principalmente como papel pedagógico, de cutucar e fazer refletir que em uma sociedade justa, pessoas que tenham tais comportamentos não fazem sentido.
*ALtamiroBorges

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