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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, setembro 14, 2014

Busto de Rubens Paiva é inaugurado em frente ao antigo DOI-Codi

Por Rafaela Marinho - 
Busto de Rubens Paiva na Praça Lamartine Babo na Tijuca, ao fundo Batalhão da Polícia do Exército
Marcelo Piu / 
RIO — À frente e de costas para o 1º Batalhão de Polícia do Exército, antigo DOI-Codi nos anos da ditadura, agora se encontra um busto de Rubens Paiva, torturado e morto pelos militares naquele local. A inauguração da estátua, nesta sexta-feira, na Praça Lamartine Babo, na Tijuca, serviu para recordar também a profissão de engenheiro do deputado federal, que atuou na Câmara por dois anos, antes de ser sequestrado em sua casa no Leblon, em 1971, e nunca mais ser visto.

— Resolvemos resgatar não somente o Rubens Paiva político, mas também o engenheiro, e a família gostou muito, ele tinha muito orgulho da profissão — explicou Agamenom Oliveira, diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ).

Os membros do Senge-RJ e da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (FISENGE) prestaram a homenagem e defenderam a ação como um marco de lembrança e não de cobrança. O presidente do Senge-RJ, Olímpio Alves dos Santos, comentou a escolha do local e da posição da estátua:

— Não é uma provocação. É apenas o resgate da memória, para que ela fique sempre presente naqueles que fizeram isso, e naqueles que não sabem o que foi isso. A estátua não está de frente para o Batalhão por nenhum motivo especial. Não recebemos nenhuma pressão do Exército e também não iríamos nos curvar a nenhuma pressão. Esperamos apenas que as Forças Armadas tenham a coragem de limpar essa mancha na sua história, para que não haja conivência e repetição — explicou o presidente.

A obra, do escultor Edgar Duviver, tem um significado simbólico de esperança para os familiares e militantes da justiça de transição no país. Vera Paiva, filha de Rubens, explicou que a inauguração da estátua servirá como um primeiro passo para o estabelecimento de uma memória mais sólida de um período violento da história brasileira.

— Até hoje não sabemos onde estão os restos mortais de meu pai, mas sabemos que aqui em frente ele foi assassinado. Então, para nós que não tínhamos um lugar para homenageá-lo, é muito intenso inaugurar esse busto como uma memória permanente a ele. — explicou Vera, que completou:

— Gostaríamos muito que esse lugar se transformasse em um museu sobre tudo que aconteceu, não só com a nossa família, que tem a sorte emblemática de ser mais falada, mas com outras centenas de famílias que aqui dessa porta viveram situações difíceis.

Vera também comentou a declaração da presidente e chefe das Forças Armadas do país, Dilma Rousseff, na sabatina desta sexta-feira do GLOBO. Perguntada por um dos colunistas do jornal, sobre um possível pedido de desculpas das Forças Armadas sobre as ações cometidas durante o regime militar, Dilma, que foi torturada na ditadura, argumentou que seria preciso esperar pelo relatório final da Comissão Nacional da Verdade, com previsão para ser finalizado em dezembro deste ano.

— Falta um pedido de perdão por tudo que aconteceu, sim. Porém, primeiro falta o reconhecimento do Exército. Sabemos que não foi o Exército brasileiro por completo, a culpa é de uma parte podre, que tem que ser extirpada. A maioria dos militares não pensa assim e era nacionalista como o meu pai, então não faz sentido a gente confundir o Exército com essa página horrorosa da nossa história. Mas esses reconhecimentos e construções de locais de memória são importantes, como já foram feitos no Chile, na Argentina, na Alemanha, na África do Sul. Ele têm museus e tiveram pessoas punidas. Atortura não ficou impune e apagada para as próximas gerações — defendeu Vera.

Para a irmã de Rubens Paiva, Maria Lúcia, ainda que o busto marque o início de uma memória maior, o dia foi também um emocionante marco final de um sofrimento antigo. Ela nunca tinha estado naquele local, pois nunca quis encarar aquela dor. No entanto, decidiu vir de São Paulo para presenciar a homenagem.

— Nós esperamos muito tempo por notícias do Rubens, porque ninguém dizia que ele tinha morrido. Meu pai não queria acreditar que o filho tinha sido sacrificado, por isso procurava por ele sempre e ouvia das pessoas do governo que ele ainda estava vivo, e durante muito tempo o governo mentiu, inclusive o ministro da Justiça, o clero do Rio de Janeiro, pessoas importantes. Só mais tarde as evidências mostraram que ele já tinha sido sacrificado — contou Maria Lúcia, bastante emocionada.

A inspiração para um museu com esse tema no Rio de Janeiro vem da transformação por qual passou o prédio do antigo Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops) em São Paulo. O local foi sede de umas das polícias políticas mais truculentas do país, principalmente durante a ditadura, e foi transformado em Memorial da Resistência. Sérgio Suiama é procurador da República e faz parte do Grupo de Trabalho Justiça de Transição que, junto com a Comissão Nacional da Verdade e a Procuradoria dos Direitos do Cidadão, encaminhou um pedido ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional para que o prédio carioca seja tombado.

— O instituto que vai determinar o melhor uso para o prédio, e se será compatível a coexistência de um Centro de Memória no local. A ideia é que o tombamento evite que se altere as estruturas que serviram de cenário para as torturas e, assim, não se perca a marca do que aconteceu ali — explicou Suiama.
*SQN

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