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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, setembro 13, 2014

"Uma parte de mim morreu com João Antonio Donati.
Um pedacinho do meu coração foi abandonado, a seu lado, em um terreno baldio de Goiás.
Uma parte de mim desapareceu com Jandira Magdalena dos Santos Cruz.
A audácia de querer ser dona do meu próprio corpo custou-me a vida."

~Lilith~
Uma parte de mim morreu com João Antonio Donati.
Um pedacinho do meu coração foi abandonado, a seu lado, em um terreno baldio de Goiás.

Uma parte de mim desapareceu com Jandira Magdalena dos Santos Cruz.
A audácia de querer ser dona do meu próprio corpo custou-me a vida.

Eu morro todos os dias.
Nos terrenos baldios, nas clínicas de aborto clandestino, nas vielas escuras.
Apanho todos os dias.
Com as palavras duras, com o repúdio velado, com o medo. Apanho em casa, apanho na rua, apanho e tentam arrancar-me a existência, tudo que eu tenho - minha dignidade, meu corpo, minha saúde mental. Sou violentada todos os dias junto a milhões de mulheres e pessoas homossexuais. Quando morrem por ser o que também sou, morro, pouco a pouco, com eles.

Nosso sangue derramado nas mãos dos odiosos não pode ser lavado. Não pode ser esquecido. Não pode ser ignorado. Até quando fingirão não ver as marcas? Até quando fingirão que não conhecem nossos algozes, até quando fingirão que o sangue de João Antônio e de Jandira Magdalena não poderia ser nosso? Não poderia ser de um de nossos amigos, companheiros e companheiras, mães e irmãs.
Seu ódio é criminoso. Seu preconceito é dilacerante. Seu machismo é assassino. Apaga sorrisos de rostos de jovens de 18 anos, silencia e agride mulheres desamparadas em mesas frias.
Suas piadas ainda têm graça? Suas crenças valem mais que vidas humanas? “Não ter nada contra” ainda é seu pretexto? Ainda quer nos mandar pra longe, ainda quer nos apagar, ainda quer “acabar com a praga” que nós somos?

Finja que não vê nosso sangue em suas mãos. Finja que não sabe que nos mata, mata a mim, Jandira e João, por eu ousar existir, ser mulher, e persistir em amar quem eu amo.
*Feminismo3/4

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