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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, março 16, 2016




Prezado Cláudio Pracownik, li com bastante curiosidade a sua resposta às críticas feitas através das redes sociais da presença da babá de seus filhos ao seu lado e de sua esposa na manifestação de hoje (13/03), cujo principal tema não é o combate à corrupção, mas o impedimento da Presidenta Dilma e a criminalização, mesmo sem provas, do ex-presidente Lula.

Li com curiosidade porque, na verdade, eu queria saber o que um legítimo filho da elite escravocrata tinha a dizer sobre o episódio. A arte de piorar o ruim pareceu ser um dos seus talentos. Explico as razões. Em primeiro lugar porque você não entendeu nada, Cláudio. Nada. E as suas palavras de bom empregador e aquele que supostamente presta um grande serviço ao país são prova cabal disso.

As críticas a você e sua esposa são críticas a toda a elite escravocrata brasileira. Sou filho de empregada doméstica, trabalhadora rural, minhas irmãs já foram empregadas e babás. As críticas a você e sua esposa são as críticas a um país escravocrata cuja história sempre produziu bastante fetichismo dos trabalhadores mais pobres, de modo que não basta terem escravizado negros e dizimado índios durante séculos, é preciso se desresponsabilizar das coisas básicas da vida doméstica e usar o trabalhador como símbolo de inferioridade numa sociedade de classes e apresentá-los como prêmio de uma suposta vida meritocrática. Sim, Cláudio, o repertório de vocês não passa de uma justificativa escravocrata de se dizerem merecedores da atitude de poder explorar um trabalhador mais pobre para coisas que vocês próprios podiam fazer. Prezado Cláudio, você faz parte de uma elite escravocrata herdeira das capitanias hereditárias. Os seus ancestrais receberam terras que foram passadas de pai para filho, trouxeram negros durante séculos do continente africano para serem escravizados no Brasil por quase 4 séculos e dizimaram milhares de comunidades tradicionais. Muito provavelmente você não se acha culpado por esse processo histórico, mas até hoje você recebe o privilégio por nossas desgraças. Você é culpado, como agente do sistema econômico, social e político, por cada uma das crianças de rua abandonadas de norte a sul do Brasil. E por mais que não se ache culpado, tudo que sua família lhe deixou por herança é produto da exploração dos mais pobres, dos negros e dos índios.

Além de ser herdeiro da Casa Grande, prezado Cláudio, você é banqueiro. Em nosso país você serve e tem servido como agente de desestabilização econômica e, em meio à crise que passamos, o seu setor é o que não tem o que reclamar. O exemplo disso é que os bancos privados lucraram, neste momento difícil que passamos, como nunca. Não se iluda, Cláudio, você não presta um grande serviço para o país. Ao contrário, por ser resultado desse processo histórico e herdeiro da Casa Grande, você e os seus devem muito mais ao nosso país do que empregar 4 trabalhadores em sua casa. Os direitos trabalhistas reservados a esses trabalhadores foram aprovados com forte oposição da sua classe social e lobistas representantes do seu extrato socioeconômico dia após dia fazem campanha e compra de votos para que a legislação trabalhista seja flexibilizada, o trabalho escravo ressignificado, permitindo menos punição aos latifundiários escravocratas, também herdeiros como você, a idade penal e a idade de trabalho reduzidas, levando ao crescimento da exploração do trabalho infantil e à criminalização da juventude.

Ter levado sua babá para uma manifestação tem um peso simbólico, querido Cláudio. Primeiro porque demonstra quem está querendo o impeachment da Presidenta Dilma. Tendo sido ex-presidente da Brasif, empresa acusada de intermediar envio de dinheiro para amante do ex-presidente FHC no exterior, você sabe como nunca que não está se manifestando contra a corrupção. Você está se manifestando por não aceitar que os pobres melhorem de vida, que as trabalhadoras domésticas tenham direitos historicamente negados, que os negros adentrem os muros das universidades e que os trabalhadores pobres brasileiros de fato tenham o voto de minerva nas decisões políticas, podendo eleger presidentes da República mais próximos do seu projeto. Admita, Cláudio, você não estava marchando contra a corrupção. Até porque você deve saber tanto quanto eu que a corrupção não emana da esfera pública, mas da privada. Deve saber ainda, e, se não sabe, deveria saber, que sempre houve muita corrupção no Brasil e os seus antepassados assistiram nas últimas décadas, até a redemocratização, militares jogando debaixo do tapete todo tipo de malfeito. Vocês se calaram diante da privataria tucana, do mensalão tucano e do Banestado. Essa indignação toda é muito seletiva e simplesmente por um incômodo ideológico. Vocês nunca protestaram contra essa corrupção apenas por um motivo: aqueles governos só olhavam para o umbigo de vocês. Admita, caro Cláudio, você faz parte de uma elite que, ao só pensar no próprio umbigo, é fascista e colonizada e presta grande serviço de papagaio dos Estados Unidos e da Europa. Diante desses fatos todos, eu só tenho a lamentar pela exposição de uma trabalhadora a fim de expor o poderio e o lugar comum de partida de vocês, escravocratas. A esse tipo de atitude vamos sempre resistir.

*Gabriel Nascimento é doutorando em Letras na USP, mestre em Linguística Aplicada pela UnB e filiado à União da Juventude Socialista.

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