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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, março 14, 2016

Da Primavera Árabe ao Brasil, como os EUA atuam na geopolítica

Entrevista: Luis Nassif e Patricia Faermann
 
 
Jornal GGN - Mais de cinco anos se passaram desde o início dos protestos no Oriente Médio, que ficaram conhecidos como Primavera Árabe. As revoltas foram desencadeadas contra presidentes que estavam entre 20 e 40 anos no poder. Mas as condições para os conflitos tinham motivações sociais: alto desemprego e economias estagnadas. Terreno ideal para o incentivo norte-americano, estrategista no investimento de milhões de dólares na disseminação de sua ideologia. 
 
Zine al-Abidine Ben Ali estava há mais de 20 anos no poder da Tunísia, Hosni Mubarak há 30 no Egito, Muammar Khadafi governou a Líbia por 42 anos, e Bashar al-Assad sucede o governo de 30 anos de seu pai na Síria, país que até hoje é palco de guerra civil, obrigando ao deslocamento de boa parte de sua população, agora na condição de refugiados pelo mundo. 
 
Mas não foi pelo meio bélico que os Estados Unidos defendeu seus interesses nos países orientais em 2011. A essa outra forma de "ataque", o estrategista militar norte-americano Thomas Barnett denominou antecipadamente "sistemas administradores", na apresentação da Technology, Entertainment, Design (TED) 2005, intitulada "The Pentagon’s New Map for War & Peace". O "ataque" é efetivado em países alvos de desestabilização econômica ou social, e ocorre por meios de comunicação, jornais, ONGs, redes sociais, ativistas, empresários, organizações.
 
Se condições similares são encontradas, atualmente, no Brasil, há quem defenda que não são coincidências. 
 
Para entender como a geopolítica dos Estados Unidos atua, o GGN conversou com o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor de mais de 20 obras, entre elas "A Segunda Guerra Fria - Geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos" (2013, Civilização Brasileira). Aos 80 anos, lança mais um livro em maio deste ano, "A Desordem Internacional".
 
"A crise hoje no Brasil é dimensionada de forma tão absurda como está ocorrendo porque os Estados Unidos não admitem a emergência de outra potência na América do Sul", afirmou. O pesquisador trouxe detalhes de como instituições norte-americana trabalham: "não é somente a CIA. (...) As ONGs, financiadas pelo dinheiro oficial e semi-oficial, como a USAID e a National Endowment for Democracy, atuam comprando jornalistas, treinando ativistas. O programa da Primavera Árabe foi elaborado, ainda, no tempo de George Bush", contou. E acredita que o mesmo está sendo feito no Brasil.
 
Acompanhe a seguir e nos vídeos alguns trechos da entrevista:
 
 
GGN - Sobre essa nova geopolítica americana nas guerras nos países árabes, de que maneira que se dava a estratégia de insuflação, o uso de redes sociais?
 
Moniz Bandeira - Os Estados Unidos têm como objetivo os neoconservadores. São eles que hoje compõem o principal segmento do partido republicano, infiltrado no partido democrata também, porque o [presidente Barack] Obama manteve esses neoconservadores em um Departamento de Estado. O objetivo é o domínio completo, espaço, área de todo o universo. O domínio total. 
 
E é preciso compreender que a crise hoje no Brasil é dimensionada de forma tão absurda como está ocorrendo porque os Estados Unidos não admitem a emergência de outra potência na América do Sul. A questão básica hoje está na moeda. A Rússia, assim como a China, estão empenhados em acabar com a predominância do petrodólar. Criar outro sistema financeiro internacional. Estão a fazer isso. Estou expondo isso com detalhe no meu novo livro, que vai sair em maio, "A Desordem Internacional".
 
Os Estados Unidos, quando não podem dominar, criam um caos. Agora, é preciso compreender que isso não é somente a CIA. A CIA gasta cerca de 80% do seu orçamento - que aliás, ninguém sabe, porque além do que há da ação oficial, ela tem empresas, até de agências de viagens, então tem um dinheiro muito diluído -, mas 80% que gasta do dinheiro oficial é em operações secretas. Isso já há muito tempo. Ao invés de coletar inteligência.
 
Porém, hoje, os Estados Unidos usam outras instituições. As ONGs, financiadas não só pelo dinheiro oficial e semi-oficial, como a USAID [United States Agency for International Development] e a National Endowment for Democracy, comprando jornalistas, treinando ativistas, pesquisadores. Há programa sobre isso. Esse da Primavera Árabe foi elaborado, ainda, no tempo de Bush.
 
Na Ucrânia, os cursos foram dados dentro da Embaixada dos Estados Unidos. Isso está tudo documentado. 
 
GGN - Que tipo de conteúdo eles davam nesses cursos?
 
Moniz Bandeira - O tema é defesa da democracia, combater a corrupção. São temas que sensibilizam a classe média, mobilizam. Essas instituições não atuam no vazio. Sempre, claro, as condições existem. No Oriente Médio, há um desemprego muito grande, as economias estagnadas, desemprego, sobretudo, para os jovens, que se formam, se educam, mas não encontram emprego. 
 
GGN - Nessa intervenção por meio de ONGs e ativismo político, todas as pessoas que eram ensinadas ou Organizações tinham conhecimento ou era uma forma de manipulação não explícita?
 
Moniz Bandeira - Eles financiam a criação dos jornais e blogs na internet, e rádios. Uma rádio foi criada em 2009, na Síria, mas funcionava na Inglaterra, com dinheiro americano. Os Estados Unidos destinaram na Síria, isso tudo documentado, entre 2005 e 2010 cerca de US$ 12 milhões. O orçamento de 2005 para 2006 foi de US$ 5 milhões.
 
 
GGN - A partir de 2002, após o atentado das Torre Gêmeas, teve a chamada Cooperação Internacional, que juntou o Ministério Público e as Polícias Federais de todos esses países para combater o crime organizado. Você chegou a analisar de que maneira os Estados Unidos estão se valendo disso, também, para as suas estratégias geopolíticas?
 
Moniz Bandeira - Eles faziam treinamentos como os militares na Academia do Panamá. Hoje eles não contam mais com os militares. Depois das ditaduras, eles viram que elas não deram certo. Por um lado, desmoralizaram os Estados Unidos, por causa dos direitos humanos. Por outro, os militares, de uma forma ou de outra são patriotas. Eles não estavam muito para o comunismo, mas não queriam ser submissos aos Estados Unidos. No Brasil, principalmente, no Peru, e mesmo na Argentina.
 
Eu tenho uma pesquisa em um dos livros meus sobre o voto do Brasil desde 1968 até o fim da ditadura. O Brasil votou muito mais vezes com os países neutros, e a União Soviética, a favor dos Estados Unidos. Eu tenho isso listado no livro "Brasil - Estados Unidos: a rivalidade emergente", quando eu estudo o regime militar. Inclusive, não obstante à custa dos direitos humanos, a Argentina também votou contra.
 
Eu não tenho dúvida de que no Brasil os jornais estão sendo subvencionados. De uma forma ou de outra, não sei como, mas estão. Não posso provar, mas é possível que por trás disso estejam as fundações de George Soros, que dão dinheiro aos jornalistas. Há jornalistas honestos. Mas há outros que estão na lista de pagamentos. Muitos desses jornalistas que eu sei estão nos Conselhos Fiscais de várias empresas estrangeiras. Ganham dinheiro com isso, escrevem no O Globo e em outros jornais.
 
Outro dia, o diretor geral da Polícia Federal declarou que muitos policiais, comissários e outros recebiam dinheiro da CIA diretamente em suas contas. Este é um conluio que devia acabar.
 
Por detrás disso tudo, não tenha dúvida que estão os recursos da USAID, que é um instrumento da National Endowment for Democracy, e das Fundações, que são várias, dos Soros e outras, por exemplo, que se opõem a certas construções de hidrelétricas no Brasil. Elas estão a serviço de empresas alemãs e usam como pretexto, sempre, a proteção da natureza, meio ambiente. A USAID, onde ela trabalha? Trabalha fora da embaixada. É uma organização "semi-oficial". A National Endowment for Democracy é financiada pelo Congresso, mas é também fora, recebe dinheiro do Congresso americano.
 
GGN - Se a gente pega a estrutura de poder dos Estados Unidos, falando da CIA, etc, não tem diferenças de orientação entre, por exemplo, o FBI, o Departamento de Estado, Departamento de Justiça?
 
Moniz Bandeira - Os Estados Unidos é um país muito complexo e contraditório. Isso está evidente na campanha eleitoral onde Sanders é dado como progressista, enquanto que, por parte dos republicanos, você vê a decadência. O Trump, em primeiro lugar, por que? Porque os outros são de Bush para pior. O Trump é maluco. Porém, a figura é o retrato da situação.
 
Quando recebi o Doutor Honoris Causa da Universidade da Bahia, eu disse que uma potência é muito mais perigosa quando está a perder a hegemonia do que quando constrói o seu império. Quando constrói o império, ela necessita ser aceita. Mas quando está perdendo... Como agora, os Estados Unidos não dominam mais, não têm mais o poder que tinham antes. Eu digo poder, porque, por exemplo, não influi mais sobre Israel. Os assentamentos continuam, não obstante a oposição dos EUA. Porque o lobby judaico dos Estados Unidos não deixa. E o governo de Israel mantem os assentamentos porque, realmente, não admite que haja dois estados. Isso, ideologicamente, já vem de muitos anos. Os Estados Unidos querem que todas as ideias se abalem.

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