França em transe
O retorno da política
Em abril, a Europa será palco de duas importantes eleições: o primeiro
turno da eleição presidencial francesa e a eleição legislativa na
Grécia. Ambas ocorrerão sob o signo do agravamento da crise
socioeconômica na zona do euro e do esgotamento de modelos liberais de
governo.
A França, sob Nicolas Sarkozy, iniciou um dos mais impressionantes
processos, na sua história recente, de desmonte do serviço público, de
restrição orçamentária e de redução de impostos para ricos.
Sarkozy havia prometido "aumentar o poder de compra das famílias",
diminuir o desemprego por meio da flexibilização do trabalho e colocar a
economia francesa em rota de crescimento. Nada disso foi feito. Em seu
lugar, o governo francês divertia-se em expulsar ciganos e criar o
Ministério da Imigração e Identidade Nacional, enquanto inúmeros estudos
da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico)
demonstravam a importância da imigração como motor de sustentação da
economia europeia.
A situação política francesa parecia o pior dos mundos. Enquanto Sarkozy
e François Hollande, candidato do PS (Partido Socialista), digladiam-se
na conquista do primeiro lugar, cresce o inacreditável. O FN (Front
National), um partido xenófobo, racista, representante da pior tradição
da extrema-direita europeia, chegou à casa dos 20%. Não é difícil
compreender que, quando o medo torna-se o afeto político central, a
extrema-direita sempre capitaliza.
Mas não deixa de ser interessante um movimento político que muitos
julgavam impossível. Uma coalizão de agrupamentos de esquerda conseguiu
lançar um candidato com densidade eleitoral,
Jean-Luc Mélénchon, que chega a 10% das intenções de voto. Um partido à
esquerda do PS com dois dígitos de intenção de voto é algo que não
ocorre na França desde 1981.
Sem medo de chamar de gato a um gato e de estigmatizar as derivas
racistas e isolacionistas da extrema-direita, Mélénchon conseguiu
empurrar para a defensiva um partido que cresceu moldando impunemente a
pauta do debate político e se colocando como defensor das classes baixas
contra o "cosmopolitismo" dos burocratas de Bruxelas.
Em um impressionante debate na TV entre os dois representantes do
extremo político, a candidata do FN, Marine Le Pen, preferiu ler
ostensivamente jornais diante das câmeras a responder às acusações do
candidato da esquerda.
Isso demonstra como vale a pena relembrar uma frase visionária de Jean
Baudrillard: "Melhor morrer pelos extremos do que pelas extremidades".
Em momentos de grave crise, deixar que o discurso da ruptura seja
monopolizado pela extrema-direita é fazer prova de suicídio político.
*esquerdopata
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