São Paulo para todos
(texto publicado na Carta Maior
O significado da eleição em São Paulo
O campo político brasileiro está constituído e polarizado entre o PT e o PSDB, desde o governo FHC, como pólos que agrupam a esquerda e a direita realmente existentes. Essa configuração foi a segunda, desde o fim da ditadura, quando havia um mapa mais difuso, com o PMDB ocupando o centro do campo político, com sua aliança com o PFL, que havia comandado a transição conservadora que tivemos, tendo o PDS mais à direita e o PT, o PDT, o PC do B, mais à esquerda.
Essa configuração foi sobre determinada pelo governo Sarney, surgido da aliança PMDB-PFL, passando pelo Colégio Eleitoral – que trocou Ulysses Guimarães por Tancredo Neves – e pela contingência da morte deste. Esse campo político foi sendo esvaziado pela impotência do PMDB e seu desgaste por pagar o preço de um governo em que não era hegemônico.
O novo campo político passou por uma transição, marcada pela chegada da
onda neoliberal através da candidatura e do governo Collor. Ao final
desse projeto, prematuramente cortado pelo impeachment, se desenhou a
configuração atual do campo político, com o deslocamento do PMDB e a
assunção da aliança PSDB-PFL como novo eixo da direita, assumindo a
continuidade reformulada do projeto neoliberal. Desde a passagem ao
segundo turno do Lula e a disputa acirrada com o Collor em 1989, o PT
passou a polarizar pela esquerda o campo político.
Neoliberalismo e resistência ao neoliberalismo marcaram ideologicamente o novo campo político – e o definem até hoje. Ao encarnar o neoliberalismo aqui – depois que estava prestes a embarcar no governo Collor, quando do seu impeachment -, o PSDB assumiu o lugar de eixo político da direita brasileira, renovada, com o governo FHC e sua aliança com o então PFL. Como se viu pelas campanhas eleitorais posteriores, essa pecha nunca mais saiu dele – com as privatizações como sua marca essencial, mas acompanhada do Estado mínimo, da abertura acelerada do mercado interno, da precarização das relações de trabalho.
O PT, aliado à CUT, ao MST e ao conjunto dos partidos do campo da esquerda e aos movimentos sociais, esteve na resistência ao neoliberalismo, conseguindo frear a privatização já programada pelos tucanos da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica.
O triunfo do Lula fez com que seu governo aparecesse como o contraponto do modelo neoliberal encarnado pelos tucanos: prioridade das políticas sociais, fim da ALCA e prioridade da integração regional e dos intercâmbios Sul-Sul, Estado indutor do crescimento econômico e garantia das políticas sociais e não Estado mínimo que entregava a centralidade ao mercado.
Os PSDB se refugiou em São Paulo onde conseguiu manter sua hegemonia, controlando o governo do Estado e da cidade de São Paulo, por um conjunto de fatores, entre os quais não estão isentos erros do PT e da esquerda. O Estado foi guindado à posição de bastião da direita e do conservadorismo em escala nacional, pela associação com órgãos de imprensa – FSP, Estado, Editora Abril, Radio Jovem Pan, entre outros. Em mais de duas décadas, as únicas exceções foram os governos de Luiza Erundina e de Marta Suplicy, que não conseguiram reeleger-se.
A nova derrota tucana para a presidência da República não impediu que Alckmin se elegesse no primeiro turno para o governo do Estado. Porém a manobra serrista da aliança do Kassab contra Alckmin nas eleições anteriores para a prefeitura, terminaram trazendo problemas para as hostes tucanas, pelo mau governo do Kassab e pela ausência de nomes para disputar sua sucessão.
Depois da farsa da consulta interna – em um universo de filiados que foi se revelando totalmente fictício, até chegar ao numero irrisório de 8 mil, sem a certeza de quantos votariam –, os tucanos apelaram para o Serra como candidato (não importando como vão resolver a farsa da consulta interna). O que recoloca fortemente a polarização nacional no coração do núcleo de resistência tucana, agora com Lula diretamente envolvido – pelo candidato escolhido por ele e pela sua participação sem os limites da presidência da República.
O significado desse embate eleitoral é o de trazer para a cidade os grandes debates nacionais. A cidade e o Estado foram transformados profundamente conforme os critérios mercantis do neoliberalismo pelos governos tucanos. A esfera pública e, com ela, os direitos sociais, foram enfraquecida, em favor da esfera mercantil. O Estado e a cidade mais ricos do país – o segundo e o terceiro orçamentos do Brasil – não são, nem de longe, referência para o país em nenhum dos quesitos essenciais – condições de trabalho, educação, saúde, transporte, segurança, políticas culturais, habitação, políticas para a juventude, pra as mulheres, para as diversidades étnica, sexuais e culturais, para a democratização dos meios de comunicação.
Ao contrário, a cidade de São Paulo, com toda a riqueza não apenas
econômica, mas social, cultural, tornou-se uma cidade cruel, pelas
condições péssimas em que vive a maioria da população. As elites
paulistanas, que lograram impor seus interesses através dos tucanos e da
mídia, oprimem, exploram e discriminam a grande maioria da população,
que não encontrou até aqui formas eficientes no plano político para
reverter essa situação.
A cidade de São Paulo tornou-se o epicentro do racismo e da discriminação no país, contra os pobres, contra os nordestinos, contra os homosexuais, contra os jovens pobres, contra todos os oprimidos, os humilhados, os marginalizados. Mais do que qualquer cidade do país São Paulo precisa de um governo que priorize as políticas sociais e culturais, que a humanize, que difunda os sentimentos e as políticas de solidariedade. Que troque o atual sentimento de exclusão que prioriza as políticas tucanas pela ideia de que precisamos de uma SÃO PAULO PARA TODOS.Emir Sader.
*Oterrordonordeste
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