O Brasil na TV
O
Brasil que se vê na TV está restrito ao Rio e à São Paulo, salvo raras
exceções. Exibem-se nas novelas e nos telejornais, lindas paisagens e
graves problemas urbanos dessas metrópoles para todo o país.
Fico
a me perguntar o que interessa ao morador de Belém o congestionamento
da Marginal do Tietê, exaustivamente mostrado pelas redes nacionais de
TV? Não haveria fatos locais muito mais importantes para a vida dos
telespectadores do Pará do que as mazelas da capital paulista?
No
entanto, o conteúdo que vai ao ar não é determinado pelos interesses ou
necessidades do telespectador e sim pela lógica comercial. Para o
empresário de TV local é mais barato e mais lucrativo reproduzir o que a
rede nacional de televisão transmite, inserindo alguns comerciais da
região, do que contratar profissionais para produzir seus próprios
programas.
Para as grandes redes
trata-se de uma economia de escala: com um custo fixo de produção, o
lucro cresce à medida em que os anúncios são veiculados num número
crescente de cidades.
Isso ocorre
porque como qualquer outra atividade comercial a lógica do capital é a
da concentração, regra da qual a televisão, movida pela propaganda, não
escapa. Só que a TV não é, ou não deveria ser, apenas um negócio como
outro qualquer.
Por transmitir
valores, idéias, concepções de mundo e de vida, ela é também um bem
cultural e não uma simples mercadoria. Dai a necessidade de ser
regulamentada e ter os seus serviços acompanhados de perto pela
sociedade.
Como concessões
públicas, as emissoras têm obrigação de prestar esses serviços de
maneira satisfatória, atendendo às necessidades básicas de informação e
entretenimento a que todos tem direito. Caso contrário, caberiam
reclamações, processos e punições, como ocorre em quase todas as grandes
democracias do mundo.
Aqui, além
de não existirem órgãos reguladores capazes receber as demandas do
público e dar a elas os devidos encaminhamentos, não temos uma
legislação capaz de sustentar esse processo. Por aqui vale tudo.
E
quem perde é a sociedade, empobrecida culturalmente por uma televisão
que a trata com desprezo. Diretores de emissoras chegam a dizer,
preconceituosamente, que “dão ao povo o que o povo quer”.
Um
caso emblemático da falta que faz essa legislação é o da produção e
veiculação de programas regionais. Se o mercado concentra a atividade
televisiva no eixo Rio-São Paulo, cabe a lei desconcentrá-lo, como
determina artigo 221 da Constituição, até hoje não regulamentado.
Sua
tramitação é seguidamente bloqueada no Congresso por parlamentares que
representam os interesses dos donos das emissoras de TV.
Em
1991 a então deputada Jandira Feghali apresentou um projeto de lei
estabelecendo percentuais de exibição obrigatórios para produção
regional de TV no Brasil. Doze anos depois, em 2003, após várias
concessões feitas para atender aos interesses dos empresários, o texto
foi aprovado na Câmara e seguiu para o Senado, onde dorme um sono
esplendido até hoje.
São mais de
vinte anos perdidos não apenas para o telespectador, impossibilitado de
ver o que ocorre na sua cidade e região. Perdemos também a oportunidade
de abrir novos mercados de trabalho para produtores, jornalistas,
diretores, atores e tantos outros profissionais obrigados a deixar suas
cidades em busca de oportunidades limitadas nos grandes centros.
Mas
se os interesses empresariais das emissoras bloqueiam esse
florescimento artístico e cultural, as novas tecnologias estão abrindo
brechas nessas barreiras. O barateamento e a diminuição dos equipamentos
de captação de imagens impulsionaram o vídeo popular e a internet vem
sendo um canal excelente de divulgação desses trabalhos.
Combina-se
a vontade e a capacidade de fazer televisão fora das emissoras
tradicionais com a necessidade do público de acompanhar aquilo que
acontece perto de sua casa ou de sua cidade.
O
que não descarta a necessidade da existência de programação regional
nas grandes emissoras, como forma de tornar o Brasil um pouco mais
conhecido pelos próprios brasileiros.
Laurindo
Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da
ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da
sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter:
@lalolealfilho.
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