O trabalho e os pobres que fazem a História
Via Jornal do Brasil
Mauro Santayana
Até
recentemente os historiadores desdenhavam os pobres. A crônica do
passado se fazia em torno de reis débeis, alguns; corajosos, outros.
Também os intelectuais, cientistas e artistas sempre estiveram na
vanguarda da história oficial. A civilização se fazia também com os
santos, mas os santos da Igreja, em sua maioria, eram recrutados entre
os membros da classe dominante na Idade Média, ainda que renunciassem à
riqueza, como Francisco de Assis, ou se fizessem mártires nas guerras
que, de santas nada tinham, como as cruzadas. Os santos modernos, com
raras exceções, são militantes políticos contra os pobres, como o
fundador da Opus dei.
Hoje cresce entre os
acadêmicos a preocupação com a “História vista de baixo”, embora a razão
recomende não estabelecer o que seja alto ou baixo na construção do
homem. É bom olhar o trabalho dos pobres, e sua luta por justiça, como o
sumo da História. Não foram os faraós que construíram as pirâmides,
mas, sim, os escravos; as grandes cidades modernas podem ter sido
imaginadas pelos arquitetos geniais, mas não sairiam das pranchetas sem
as mãos ásperas dos pedreiros, armadores e carpinteiros. O mundo
virtual, abstrato, dos pensadores, prescinde do trabalho pesado, mas a
doma da natureza, com a agricultura e o pastoreio, e sua transformação
em objetos tangíveis, são conquistas do trabalho pesado.
É bom olhar o trabalho dos pobres, e sua luta por justiça, como o sumo da História
Muitos
trabalhadores que hoje estão comemorando o primeiro de maio, não sabem
exatamente como surgiu essa tradição. Ela se deve a uma das primeiras
greves organizadas nos Estados Unidos, em 1886. No dia 3 de maio,
parados havia algum tempo, os trabalhadores de uma indústria de máquinas
colheitadeiras, a McCormick Harvesting Machine Company, formaram
piquetes diante dos portões da fábrica e foram dissolvidos pelos
policiais que protegiam os fura-greves com a morte de vários operários e
dezenas de presos e feridos. Como protesto, eles se reuniram, com o
apoio de outros trabalhadores, no dia seguinte, na praça do Heymarket,
no centro da cidade.
Entre outras
reivindicações, os grevistas exigiam a fixação da jornada do trabalho em
oito horas diárias. Os patrões, como fazem até hoje, organizaram
pelotões de bate-paus, garantidos para ajudar a polícia. Houve o
conflito, com os grevistas se defendendo como podiam, e uma bomba
explodiu, matando sete policiais. A polícia atirou, matou muitos
trabalhadores e buscou suspeitos. Um líder dos trabalhadores, August
Spies, embora provasse não estar no local, foi, com três outros, também
vistos como inocentes, condenados à forca, e executados em 11 de
novembro do ano seguinte.
Um dos presos
matou-se. Os três que conseguiram escapar do cadafalso foram perdoados,
em 1893, pelo governador de Illinois, John P. Altgeld. O movimento
sindical, que existia, de forma dispersa e débil, desde a presidência de
Andrew Jackson, tomou corpo, a partir do episódio, com a reorganização
da American Federation of Labor.
Tradição do 1º de Maio se deve a uma das primeiras greves nos Estados Unidos, em 1886
O
século 20 começou com a criação de novos sindicatos de trabalhadores,
principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra (com o incentivo do
conservador Disraeli), e na Alemanha. Foram as lutas dos trabalhadores
que moderaram, um pouco, a avidez dos capitalistas liberais. Essas lutas
se iniciaram em 1848 na Europa, tiveram impulso com a Comuna de Paris,
em 1871, e viveram a sua grande data no massacre do Haymarket e suas
consequências, em 1886.
Na luta contra a
Depressão dos anos 30, os países ocidentais (na União Soviética a
situação era outra) procuraram incentivar o sindicalismo e contar com
seu apoio. Hitler decretou, no dia 1º de maio de 1933, que a data seria
festejada sob o nazismo como o Dia do Trabalho. No dia seguinte, fechou
todos os sindicatos, prendeu seus líderes e iniciou a perseguição aos
socialistas e comunistas. Nos Estados Unidos e no Canadá, para
desvincular a comemoração do massacre de maio, a data escolhida foi a da
primeira segunda feira de setembro.
O movimento
sindical, para ser autêntico, não deve atrelar-se aos governos, ainda
que, na defesa do interesse dos trabalhadores, possa apoiar essa ou
aquela medida dos estados nacionais. Foi a luta dos trabalhadores
ingleses que criou o Labour Party na Inglaterra, em 1906, e
conseguiu as reformas das leis do trabalho que permitiram o
desenvolvimento econômico e político da Grã Bretanha, e a levaram ao
forte desempenho bélico na Primeira e na Segunda Guerra Mundial.
Os
historiadores começam a deixar os papéis dos gabinetes oficiais e as
alcovas da nobreza, a fim de encontrar os verdadeiros agentes da
civilização, no estudo da vida e da resistência dos pobres contra a
opressão — o que ela tem de melhor. É hora de que se faça o mesmo em
nosso país. É mais importante estudar a resistência dos negros e dos
brancos miseráveis do Brasil Colônia — que valiam menos do que os
escravos, posto que os últimos, como bens de produção, tinham valor de
mercado — do que imaginar como eram os encontros galantes de Pedro I com
a Marquesa de Santos. Foi o suor dos desprezados que deu liga à
argamassa de nossa nação — e de todas as outras nações.
*GilsonSampaio
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