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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, outubro 13, 2012

Jornal critica Serra por se aproximar do conservadorismo evangélico


Em seu editorial de hoje (13), com o título “kit evangélico”, a Folha criticou o candidato tucano José Serra à prefeitura de São Paulo por ter se aproximado do conservadorismo evangélico. Observou que a imagem de Serra “já foi mais associada a valores liberais”.

“Sua atual peregrinação por templos e a aceitação graciosa de apoiadores que flertam com a intolerância indicam um caminho sem volta”, afirmou o jornal.


A Folha aponta como um desses apoiadores o pastor Silas Malafaia, que “defende com o espírito de cruzados medievais a candidatura de Serra”.


Malafaia tem dado a apoio a Serra, com a gravação inclusive de vídeos, porque o adversário do tucano, o petista Fernando Haddad, foi o mentor do chamado kit gay, um projeto abortado pelo Ministério da Educação por pressão de religiosos. Para o jornal, contudo, o duvidoso kit gay não tem nenhuma importância para a administração pública.


“O ‘kit gay’, por qualquer ângulo que se olhe, é assunto de somenos na política pública federal. Que dirá na municipal, em que os destinos da ocupação do solo, do transporte, da assistência à saúde e do ensino assumem peso avassalador na lista de prioridades.”


O jornal disse que religiosos têm emprestado seu apoio a candidatos com o propósito de obter um “kit evangélico”, que consiste, entre outros interesses, do tratamento diferenciado aos templos, de modo “que possam ultrapassar os níveis de ruído exigidos de outros estabelecimentos e fixar-se onde e como queiram, a despeito das normas urbanísticas”.


Íntegra do editoral



A imagem do candidato tucano José Serra já foi mais associada a valores liberais, cultivados por grupos tanto à esquerda quanto à direita do espectro partidário.

Tais valores informam que preferências sexuais e religiosas são assunto da órbita privada; ao homem público caberia manter equidistância de lobbies que, na defesa legítima de seus interesses, acabam por conferir relevo exagerado a temas da esfera íntima.


Na corrida presidencial de 2010, ao explorar contradição da petista Dilma Rousseff -que se dizia favorável à descriminalização do aborto, mas recuou na campanha de maneira oportunista-, Serra já havia selado uma aliança com o conservadorismo evangélico. Sua atual peregrinação por templos e a aceitação graciosa de apoiadores que flertam com a intolerância indicam um caminho sem volta.


Tal rota pode render-lhe resultado nas urnas, sem dúvida. Pesquisas, como a realizada pelo Datafolha em setembro, indicam que convicções conservadoras são partilhadas por amplos setores da sociedade paulistana. Mas não há como comer do bolo conservador e, ao mesmo tempo, passar-se por liderança moderna, arejada.


Daí um certo cansaço, misturado a frustração, que se nota nos círculos mais liberais. Tanto mais quando um pastor, Silas Malafaia, defende com o espírito de cruzados medievais a candidatura de Serra. "Vou arrebentar em cima do Haddad", jactou-se o líder religioso.


O pretexto é o famigerado "kit gay", tentativa desastrada do então ministro da Educação, Fernando Haddad (PT), de produzir um material -de formulação discutível- contra intolerância sexual nas escolas. Como já se tornou hábito no petismo, após o estrago e a grita dos religiosos, recuou-se completamente, e o próprio Haddad tentou desvencilhar-se da proposta.


O "kit gay", por qualquer ângulo que se olhe, é assunto de somenos na política pública federal. Que dirá na municipal, em que os destinos da ocupação do solo, do transporte, da assistência à saúde e do ensino assumem peso avassalador na lista de prioridades.


Ocupação do solo, aliás, integra o "kit evangélico" real, a agenda de interesses que religiosos apresentam aos candidatos. Desejam tratamento diferenciado para os templos -a fim de que possam ultrapassar os níveis de ruído exigidos de outros estabelecimentos e fixar-se onde e como queiram, a despeito das normas urbanísticas.


É preocupante a atitude amistosa de Serra com esses lobbies, bem como a disposição de Haddad de também acomodar-se a eles.
Malafaia diz que vai ‘arrebentar’ candidatura do petista do ‘kit gay’.
outubro de 2012

Religião na política.

Leia mais em http://www.paulopes.com.br/#ixzz29DFqSvgM
Paulopes

A tropa de choque de José Serra

Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior:

Os primeiros passos de Serra na largada do segundo turno em São Paulo ilustram o ponto a que está disposto chegar para reverter o prenúncio da derrota que nem o Datafolha dissimula mais.

O tucano reuniu-se nesta 3ª feira com um interlocutor cirurgicamente escolhido para reforçar a musculatura do vale tudo na disputa: o pastor radialista, Silas Malafaia, que veio diretamente do Rio de Janeiro apresentar armas à campanha. Acompanhado do pastor Jabes Alencar, do Conselho de Pastores de São Paulo, teve um encontro fechado com Serra.

O pacto do além com o aquém foi festejado em manchete do caderno de política da 'Folha de SP'. Assim: "Líder evangélico diz que vai 'arrebentar' candidato petista -- Silas Malafaia afirma que Haddad apoia ativistas gay". 

O título em 3 linhas de 3 colunas, ladeado de um foto imensa de Serra (meia pág. em 3 colunas), empunhando uma criança adestrada em fazer o '45', inspira calafrios. 

Deliberadamente ou não, o conjunto ilustra um conceito de harmonia que envolve arrebentar a tolerância, de um lado, para preservar a pureza, de outro. Concepções assemelhadas levaram o mundo a um holocausto eugênico de consequências conhecidas.

A hostilidade beligerante de Serra em relação a adversários --inclusive os do próprio partido-- incorporou definitivamente uma extensão regressiva representada pela restauração do filtro religioso na política. Como recurso de caça ao voto popular, que escapa maciçamente ao programa do PSDB --liquefeito na desordem neoliberal--, é mais uma modernidade que devemos ao iluminismo dos intelectuais de Higienópolis.

O pastor Malafaia foi importado do Rio de Janeiro exatamente com essa finalidade. Veio dizer aos fiéis de São Paulo em quem votar e a quem amaldiçoar. Os critérios escapam aos valores laicos da independência democrática em relação às convicções religiosas. Mas isso não importa à ética de vernissage de certa inteligência paulista. Faz tempo que em certos círculos incorporou-se a licença do vale-tudo para vencer o PT, a quem se acusa de sepultar os princípios éticos de esquerda...

Serra aperfeiçoa, não inova na promoção do eclipse das consciências e dos valores laicos que sustentam a convivência compartilhada. 

Na campanha presidencial de 2010, a água benta da sua candidatura foi o carimbo de 'aborteira' espetado contra Dilma Rousseff. A esposa do tucano, culta bailarina Mônica Serra, pregava nas ruas da Baixada Fluminense, como uma mascate da intolerância: 'Ela (Dilma) é a favor de matar as criancinhas'.

Não era uma voz no deserto. Recorde-se que Dom Bergonzini, um bispo de extrema direita, da zona sul de São Paulo, já falecido, encomendou então 20 milhões de panfletos com o mesmo calibre. 

Os impressos falseavam a chancela da Igreja católica para atacar, caluniar e desencorajar o voto na candidata da esquerda nas eleições presidenciais. 

Um lote do material foi descoberto na gráfica da irmã do coordenador de campanha de Serra.

A imprensa sem escrúpulos teve então, curiosamente, todo o escrúpulo, omitindo-se de perguntar: - De onde veio o dinheiro, Dom Bergonzini?

Tampouco se cogitou indagar se o bispo e os donos da gráfica tinham contato com outro personagem sombrio da campanha tucana, Paulo Preto - que o candidato da hipocrisia conservadora chamava de 'Paulo afro-descendente'. 

Apontado como o caixa 2 da campanha, Paulo, fixemos assim, teria desviado R$ 4 milhões em doações para proveito próprio. Mas compartilhava segredos protegidos por recados ameaçadores: - 'Não se abandona um líder no meio do caminho'. A senha era enfática o suficiente para obrigar Serra a interromper a campanha e convocar os jornais, declarando-o um cidadão acima de qualquer suspeita. 

A transformação do eleitor em rebanho, a manipulação do discernimento político pela mídia e o retorno das togas a uma simbiose desfrutável pelo estamento conservador, configuram hoje os requisito de uma sociedade capaz de dar a vitória a Serra neste 2º turno. 

Não se trata de uma denúncia. São os ingredientes mobilizados pelo candidato tucano que arredonda assim a biografia com um toque de Tea Party tropical. O pacto da intolerância selado com o eloquente bispo Malafaia ilustra a travessia edificante de um quadro originalmente tido como o zangão desenvolvimentista da colméia neoliberal. 

A intelectualidade iluminista que ainda apoia José Serra tem condições de enxergar essa marcha batida que empurra São Paulo para um Termidor de malafaias. 

A intelectualidade iluminista tem, sobretudo, a co- responsabilidade nos desdobramentos dessa distopia obscurantista que a candidatura tucana enseja, agrega, patrocina e encoraja. A tentativa algo desesperada de evitar a derrota desenhada em São Paulo tem um preço --os intelectuais honestos que orbitam em torno do PSDB vão rachar a conta? A ver.

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