Por Carlos Ferraz Batista*
O
horror é algo que acompanha o sujeito em sua existência, esse traço é
carregado pela falta-a-ser. Na ilusão de completude, somos avessos a
qualquer elemento que gere falta e macule nossa imagem narcísica. Há um
dizer popular em que a singularidade é valorizada, porém, na prática, no
convívio social, não parece ser desta maneira. A diferenciação é
norteada pela premissa, em ser o melhor e mais que o outro.Em meio à opressão social, esse sujeito precário tem que se haver com a falta, impotência e incompletude.
Na contemporaneidade a desarticulação do mundo simbólico é um fato. As tradições que fundam a cultura estão abaladas, haja vista a renúncia do papa Bento XVI.
Desde a pílula anticoncepcional as mudanças seguiram uma crescente. No presente momento histórico, o sujeito tem que se haver com o imprevisível e pode se deparar com a necessidade de inventar novos modos de ser e se responsabilizar por sua singularidade.
Não podemos negar as mudanças e transformações ocorridas na constituição familiar. Casamentos são feitos e desfeitos, nesses encontros e desencontros, o filho se vê na posição de ter dois pais, duas mães, irmãos e meio irmãos. Cada novo casamento implica em uma invenção singular, tendo como consequência uma nova configuração familiar.
Atualmente a discussão que prevalece, circunscreve a família homoparental, constituída por sujeitos que optam pelo parceiro do mesmo sexo. Configuração familiar já assegurada pela justiça, posição que suscita na sociedade reações das mais variadas.
De minha parte, não vejo problema um casal adotar uma criança e favorecer a constituir um sujeito de pleno direito e desejo. Penso dessa maneira, devido à criança ser fruto do desejo de um ser faltante. No âmbito prático, pai e mãe, trata-se de funções, que não implicam, necessariamente, o gênero sexual. A proposta deste texto pode gerar desconforto, afinal, a família está no registro da tradição, e essa última representa um dos sustentáculos da cultura.
Quando a criança percebe a diferença sexual, o horror é apresentado ao sujeito. A partir daí, o eu se constitui por meio das identificações com o outro simbólico, pai, mãe e elementos da cultura. Em contrapartida, tudo que foge a norma, que o sujeito estabeleceu para si, pode ser interpretado como ameaça.
Nesses meandros, toda diferença é algo que pode gerar mal-estar. O sujeito que apresenta, de forma explícita o referido traço, como por exemplo: os negros, deficientes, obesos, homossexuais e outros, podem despertar no outro, diversos afetos, sendo alguns permeados, pelo horror à diferença.
Se numa entrevista fosse perguntado, se gostaria de ser diferente ou igual a todos é possível que a escolha siga o registro da diferenciação, porém muitos não conseguem se ‘destacar’ do grupo, porque implica em saída do mesmo. Temos a impressão de que há prevalência na busca pelo igual, não um movimento que dê vazão a entrada do novo, por meio da experienciação e relação, com um outro modo de ser. Deslocando-se da diferença anatômica, gênero, para a diferença que carrega todo ser, ouso afirmar que ninguém escapa do traço distintivo e da singularidade.
Temos o hábito de suprimir a singularidade pela homogeneidade, paralisante e limitante, cunhada por preconceitos, que revelam o horror a diferença em si e no outro. Fluxo que instaura o desafio, a todos nós, de sobrepor a homogeneidade pela singularidade.
Preconceito faz parte de todo humano. Talvez se repensarmos idéias e valores, podemos fazer uma ultrapassagem de nós mesmos.
*Psicólogo, psicanalista e autor do livro ‘Crime e castigo e a maioridade penal’. Blog: Sujeito e Cultura
*Deficienteciente
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