Ribamar Bessa – Por um mundo com menos Cid e mais Mujica
O cantar do Cid
Por Ribamar Bessa(*)
O que o Cid Gomes, governador do Ceará, tem em comum com o Cid Campeador, herói da literatura espanhola?
Cid é acusado de roubo. Fica com fama de
ladrão. Seus bens são bloqueados e sequestrados. Ele é desterrado. Para
recuperar a riqueza e a honra, o nosso herói pega em armas, participa
de campanha militar, derrota os mouros que ocupavam a Península Ibérica,
puxa o saco do rei para quem manda um montão de presentes caros e,
desta forma, é anistiado. Consegue reaver seus bens e, mesmo sendo
fidalgo de nível inferior, casa suas filhas – Elvira e Sol – com
príncipes, um do Reino de Navarra e o outro de Aragón.
Esse é o Cid Campeador, cujas façanhas heroicas são narradas em um poema
épico de quase quatro mil versos, escrito há mais de 800 anos. Trata-se
de uma joia da literatura espanhola – o Cantar de Mio Cid – uma canção
de gesta, recitada na época medieval com acompanhamento musical por
jograis e menestréis, para uma audiência variada formada por pessoas de
vários níveis sociais, desde os nobres na corte, até camponeses e
artesãos analfabetos nas feiras e mercados. Esse é o Cid Espanhol. Mas
no Ceará não tem disso não.
No Ceará, o Cid é outro. O Cantar de Mio
Cid cearense, que poderia muito bem ser recitado como literatura de
cordel nas feiras de Sobral, na realidade é o cantar de Ivete Zangalo,
contratada pelo governador Cid Gomes (PSB) por R$ 650 mil para um único
show de inauguração de um hospital em Sobral, terra de Cid. Quem paga, é
claro, não é o dito cujo, mas o contribuinte. Agora, o Ministério
Público Federal entrou na Justiça na última quinta-feira contra o
governador pedindo a devolução da grana, que pague o cachê da Ivete
Zangalo com dinheiro dele.
- Não tem sentido o governador gastar
recursos públicos com festas para inaugurar hospitais, enquanto se faz
urgente o atendimento de cidadãos em fila de espera por cirurgias –
afirmou em nota o procurador Oscar Costa Filho, que lembrou a existência
no Ceará de 349 pacientes em espera só por cirurgias ortopédicas. Ele
diz, com razão, que houve violação do princípio da moralidade
administrativa e desvio de finalidade na contratação do show. A ação
propõe que Cid seja proibido de usar recursos públicos da saúde para
realizar eventos festivos.
Quando o procurador de Contas do Ceará,
Gleydson Alexandre estranhou o pagamento, Cid de Sobral, numa atitude
desrespeitosa com as instituições democráticas, afirmou que o procurador
era “um garoto que quer aparecer e fica criando caso”, e disse que
continuará gastando o dinheiro com shows, “doa a quem doer”. Não é uma
ameaça vazia para quem, em agosto de 2012 pagou com dinheiro público
R$3,1 milhões pelo show do tenor espanhol Plácido Domingo na inauguração
de um centro de convenções no Ceará.
Cid Gomes ainda por cima é insolente e
não hesita em apelar para o cinismo como fez há cinco anos, quando
viajou, em pleno carnaval com a primeira-dama, a sogra, o secretário, um
assessor, com suas respectivas esposas, num jatinho fretado pelo
governo do Ceará por R$ 388 mil reais. Os jornais deram uma boa
cobertura da viagem e houve uma acusação de mau uso do dinheiro público,
sobretudo porque o roteiro incluiu hospedagens em hotéis de luxo, cuja
valor da diária chega até R$ 35 mil.
Na época, Ciro alegou que o espaço no
avião ocupado pela sogra não acrescentava nenhum gasto e que ela pagou
sua própria hospedagem. Quanto a ele, justificou: “Viajei para a Europa
no intervalo do Carnaval, mas ao contrário do que isso possa insinuar,
viajei a trabalho”. Foi participar de eventos ligados ao turismo e à
fruticultura.
O Cid de Sobral age como um coronel de
grotão. O show de Ivete Zangalo, na realidade, é puro marketing
eleitoreiro. Quantas vidas poderiam ser salvas com R$ 650 mil? Aplicar
num evento como esse recursos públicos que deviam ser canalizados para a
saúde é, efetivamente, um crime. A quem interessa esse crime? Quem vai
se beneficiar eleitoralmente com ele?
É mais fácil o Rio Acaraú correr em
sentido contrário, em direção à Serra das Matas e desaguar lá em
Monsenhor Tabosa, do que o Cid Gomes de Sobral entender José Pepe
Mujica, presidente do Uruguai, um pais cujo território é um pouco maior
do que o Ceará.
Pepe Mujica, o presidente mais pobre do
mundo, tem um salário mensal de 12.500 dólares, mas vive apenas com
1.250 dólares, porque doa 90% de seu salário para ONGs que trabalham com
habitação para a população pobre: “Este dinheiro me basta, e tem que
bastar porque há outros uruguaios que vivem com menos”. Com 77 anos, o
presidente da República continua usando um velho fusquinha, avaliado em
1.000 dólares. A mulher dele, Lucía Topolansky, que é senadora, também
doa parte de seus rendimentos.
Meu Deus do céu, como o mundo seria
melhor se houvesse menos Cid e mais Mujica! Se o cantar de um fosse
substituído pelo cantar do outro!
*José Ribamar Bessa Freire é antropólogo. Colabora com o “Quem tem medo da democracia?”, onde tem a coluna “Taqui Pra Ti”
*quemtemmedodademocracia
Nenhum comentário:
Postar um comentário