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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, fevereiro 17, 2013

A IMBECIALIZAÇÃO DO BRASIL


POR MINO CARTA*
 ESCRITO ORIGINALMENTE NA REVISTA CARTA CAPITAL
Há muito tempo o Brasil não produz escritores como Guimarães Rosa ou Gilberto Freyre. Há muito tempo o Brasil não produz pintores como Candido Portinari. Há muito tempo o Brasil não produz historiadores como Raymundo Faoro. Há muito tempo o Brasil não produz polivalentes cultores da ironia como Nelson Rodrigues. Há muito tempo o Brasil não produz jornalistas como Claudio Abramo, e mesmo repórteres como Rubem Braga e Joel Silveira. Há muito tempo…
Os derradeiros, notáveis intérpretes da cultura brasileira já passaram dos 60 anos, quando não dos 70, como Alfredo Bosi ou Ariano Suassuna ou Paulo Mendes da Rocha. Sobra no mais um deserto de oásis raros e até inesperados. Como o filme O Som ao Redor, de Kleber Mendonça, que acaba de ser lançado, para os nossos encantos e surpresa.
Nos últimos dez anos o País experimentou inegáveis progressos econômicos e sociais, e a história ensina que estes, quando ocorrem, costumam coincidir com avanços culturais. Vale sublinhar, está claro, que o novo consumidor não adquire automaticamente a consciência da cidadania. Houve, de resto, e por exemplo, progressos em termos de educação, de ensino público? Muito pelo contrário.
 Nossa vanguarda. Imbatíveis à testa da Operação Deserto
Nossa vanguarda. Imbatíveis à testa
da Operação Deserto

E houve, decerto, algo pior, o esforço concentrado dos senhores da casa-grande no sentido de manter a maioria no limbo, caso não fosse possível segurá-la debaixo do tacão. Neste nosso limbo terrestre a ignorância é comum a todos, mas, obviamente, o poder pertence a poucos, certos de que lhes cabe por direito divino. Indispensável à tarefa, a contribuição do mais afiado instrumento à disposição, a mídia nativa. Não é que não tenha servido ao poder desde sempre. No entanto, nas últimas décadas cumpriu seu papel destrutivo com truculência nunca dantes navegada.
Falemos, contudo, de amenidades do vídeo. De saída, para encaminhar a conversa. Falemos do Big Brother Brasil, das lutas do MMA e do UFC, dos programas de auditório, de toda uma produção destinada a educar o povo brasileiro, sem falar das telenovelas, de hábito empenhadas em mostrar uma sociedade inexistente, integrada por seres sem sombra. Deste ponto de vista, a Globo tem sido de uma eficácia insuperável.
O espetáculo de vulgaridade e ignorância oferecido no vídeo não tem similares mundo afora, enquanto eu me colho a recordar os programas de rádio que ouvia, adolescente, graciosas, adoráveis peças de museu como a PRK30, ou anos verdolengos habitados pelos magistrais shows de Chico Anysio. Cito exemplos, mas há outros. Creio que a Globo ocupe a vanguarda desta operação de imbecilização coletiva, de espectro infindo, na sua capacidade de incluir a todos, do primeiro ao último andar da escada social.
O trabalho da imprensa é mais sutil, pontiagudo como o buril do ourives. Visa à minoria, além dos donos do poder -real, que, além do mais, ditam o pensamento único, fixam-lhe os limites e determinam suas formas de expressão. O alvo é a chamada classe média alta, os aspirantes, a segunda turma da classe A, o creme que não chegou ao creme do creme. E classe B também. Leitores, em primeiro lugar, dos editoriais e colunas destacadas dos jornalões, e daVeja, a inefável semanal da Editora Abril. Alguns remediados entram na dança, precipitados na exibição, de verdade inadequada para eles.
Aqui está a bucha do canhão midiático. Em geral, fiéis da casa-grande encarada como meta de chegada radiosa, mesmo quando ancorada, em termos paulistanos, às margens do Rio Pinheiros, o formidável esgoto ao ar livre. E, em geral, inabilitados ao exercício do espírito crítico. Quem ainda o pratica, passa de espanto a espanto, e o maior, se admissível a classificação, é que os próprios editorialistas, colunistas, articulistas etc. etc. acabem por acreditar nos enredos ficcionais tecidos por eles próprios, quando não nas mentiras assacadas com heroica impavidez.
O deserto cultural em que vivemos tem largas e evidentes explicações, entre elas, a lassidão de quem teria condições de resistir. Agrada-me, de todo modo, o relativo otimismo de Alfredo Bosi, que enriquece esta edição. Mesmo em épocas medíocres pode medrar o gênio, diz ele, ainda que isto me lembre a Península Ibérica, terra de grandes personagens solitárias em lugar de escolas do saber. Um músico e poeta italiano do século passado, Fabrizio de André, cantou: “Nada nasce dos diamantes, do estrume nascem as flores”. E do deserto?
*Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redacao@cartacapital.com.br
*Historiavermelha

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