Jesus, Malafaia e os farisaísmos modernos
Ser cristão e homofóbico são termos ontologicamente inconciliáveis
Emmanuel Almada - Brasil de Fato
As
recentes e recorrentes declarações do pastor Silas Malafaia têm causado
revoltas e reação de diversos grupos comprometidos com a defesa dos
direitos civis e a dignidade LGBTT. Todavia, um aspecto que chama a
atenção em toda essa celeuma é que os pronunciamentos de Malafaia são,
em última análise, ícones de uma onda de conservadorismo (político e
religioso, ou seus híbridos), fundadas em leituras ultrapassadas e pouco
amorosas dos textos bíblicos. O que diria Jesus hoje sobre o casamento
entre pessoas do mesmo sexo? Que diria ele sobre os milhares de
homossexuais assassinados todos os anos e outros tantos milhões
excluídos e vítimas do preconceito? Se Ele não tratou especificamente
deste assunto nos evangelhos, não há duvidas de sua concepção do amor e
suas consequências individuais e coletivas.
É
preciso lembrar que os textos bíblicos, embora entendidos como revelação
de Deus, foram escritos por mãos, pensamentos e corações humanos. O
corolário disso é que toda a Bíblia está marcada por preconceitos e
contextos culturais do espaço-tempo em que foi escrita.
Por
outro lado, uma chave de leitura essencial para todos os textos bíblicos
é o anúncio de Cristo da proximidade do Reino e da exigência da
vivência incondicional do amor. Se não amas a teu irmão a quem vê, não
pode amar ao Pai a quem não vê (João 4, 20). Amar cristicamente implica
em acolhida, em viver a diferença, em se abrir para o Mistério e
reconhecer a limitação de nossa compreensão como parte desse mesmo
movimento de amor. Daí que posturas como a de Malafaia e tantos outros
líderes religiosos não se baseiam na vivência do amor ensinado por
Jesus, mas numa atenção desproporcional, ingênua e perversa a uma
leitura literal da bíblia. Vivem como os fariseus do tempo de Jesus, que
confiavam na garantia da salvação pelo cumprimento da Lei. Em nome
dessa mesma postura farisaica milhões de indígenas foram (e continuam)
massacrados na invasão das Américas, os negros escravizados não tinham
alma, as mulheres até hoje são relegadas ao segundo plano na Igreja
Católica e a fé no Deus da Vida não gera comprometimento com a luta pela
justiça e liberdade.
Professar
a fé em Cristo é assumir seu plano de instauração do amor por toda a
Terra, é contribuir para que o Mistério que é Deus Pai-Mãe irrompa na
história humana, sem exceções, gerando novas estruturas sociais. Ser
cristão e homofóbico são termos ontologicamente inconciliáveis. Se o ser
cristão implica, muito mais que professar a fé em Jesus, o
comprometimento com seu projeto político de amor, a homofobia é um sinal
de negação desse amor e do próprio Cristo. É possível viver e praticar o
amor sem ser cristão ou mesmo religioso, mas é impossível seguir a
Cristo e permanecer na prática dos farisaísmos modernos.
Como bem
nos lembra o profeta Amós: Eu odeio e desprezo vossas festas
religiosas, desgostam-me essas vossas procissões, não me agradam vossas
oferendas, sacrifícios, holocaustos. Afasta de mim o ruído dos teus
cantos, não quero ouvir o som de tuas harpas. Mas que o direito corra
como água, e a justiça como rio caudaloso (Am 5,21-24).
Emmanuel Almada é biólogo e membro das Pastorais Sociais (RMBH).
*Mariadapenhaneles
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