Pinheiro Guimarães: política externa foca interesses nacionais
Via Brasil de Fato
A
política externa brasileira sofreu uma guinada a partir do governo do
PT e seus aliados. Desde 2003 o Brasil passou a implementar uma política
altiva e soberana, com foco nos interesses nacionais, abandonando a
postura subalterna aos interesses externos, em especial dos Estados
Unidos, como ocorria no governo do PSDB. Essas mudanças foram abordadas
pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães (foto), secretário-geral do
Itamaraty durante o governo Lula, em entrevista ao PT na Câmara.
Ao tomar
posse, o presidente Lula afirmou que daria prioridade às relações do
Brasil com os países da América do Sul, bem como daria ênfase também às
relações com os países africanos. A política externa anterior
privilegiava as relações com os Estados Unidos de forma muito intensa e
subalterna. O presidente FHC praticamente não visitou os países
africanos.
No início do governo Lula os EUA
prepararam a invasão do Iraque – uma invasão que procuravam justificar
com documentos falsos, apresentados na tribuna da ONU pelo Secretário de
Defesa norte-americano – e o Brasil se opôs a essa invasão, inclusive
buscando se articular com França e Alemanha para que isso não ocorresse.
No
caso da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), o governo anterior
dizia, retoricamente, “vamos negociar e, no final, se não for bom, nós
não aceitamos”. Isso não existe. Nas negociações internacionais, se você
negocia é porque está chegando ao entendimento.
Outro
exemplo foi a reunião dos países árabes com os países da América do
Sul, que gerou uma irritação enorme na direita brasileira porque isso
irritava o governo norte-americano.
E esses são
apenas alguns poucos exemplos de ações contrárias à orientação da
política externa anterior. A reação da oposição conservadora, de
direita, existe porque interesses poderosos estão sendo contrariados.
Relação com “fortes” e “fracos”
O
centro da política externa brasileira é a América do Sul. Há uma enorme
assimetria entre esses países – de território, de recursos naturais, de
população e de capacidade produtiva – e isso torna muito delicadas as
relações com os vizinhos.
O presidente Lula
sempre fez questão de dizer que o Brasil tinha relações de parceria com
os países vizinhos, não de liderança. São relações caracterizadas pela
generosidade, pelo reconhecimento de que o Brasil tem uma
responsabilidade maior no processo de desenvolvimento da América do Sul,
que nos interessa econômica e politicamente.
Durante
todo o governo do presidente Lula houve grande reação dos partidos de
direita, conservadores, reacionários, tradicionais, como se o Brasil
devesse ter atitudes agressivas com os países vizinhos. No entanto, o
que ocorreu foi justamente o contrário. Acertamos todas as questões
relativas à Bolívia e a mesma coisa ocorreu com o Paraguai.
No
governo Lula o Brasil decidiu realizar uma contribuição voluntária de
500 milhões de dólares ao Focem (Fundo para a Convergência Estrutural e
Fortalecimento Institucional do Mercosul), que tem a ver com a redução
das assimetrias, para a construção da linha de transmissão entre Itaipu e
Assunção. Isso permitirá o desenvolvimento industrial do Paraguai e
terá um impacto positivo para nós, mas foi criticado pela direita
brasileira.
Outro indicador da mudança da
política exterior é o fato de que os presidentes da América do Sul,
quando eleitos, em vez de visitar os EUA , vêm visitar o Brasil. Isso
não é à toa, significa o interesse nas relações políticas e econômicas
com o Brasil, coisa que antes não ocorria.
Relações comerciais
A
política externa do Brasil no governo do presidente Lula sofreu uma
inflexão muito grande. Isso ocorreu nos mais diferentes campos de
atuação do Brasil no exterior e se refletiu, por exemplo, na
extraordinária ampliação do comércio com os países da América do Sul e,
sobretudo, do Mercosul. E isso tem a ver com a produção industrial
brasileira. As nossas exportações para esses países são, principalmente,
de produtos industriais.
A ampliação e
diversificação dessas relações comerciais, junto com o esforço para
construir a infraestrutura dos países vizinhos, como a estrada
bioceânica no Peru, a construção da linha de transmissão entre Itaipu e
Assunção, o financiamento de gasodutos na Argentina, de estradas na
Bolívia, tudo isso é importante e resulta em contratos com empresas
brasileiras, o que significa empregos para as pessoas no Brasil.
Pouco
se fala disso, mas um trabalhador que trabalha em qualquer país do
Mercosul pode acumular o tempo de serviço dele para fins de previdência
social. E qualquer cidadão do Mercosul que venha morar fora do seu país
de origem, após dois anos pode pedir a residência permanente. Com isso
ele passa a ter todos os benefícios civis. Esses e outros são acordos
importantes que beneficiam toda a população do Mercosul.
O
Conselho de Defesa Sul-Americano é um órgão muito importante no qual
militares e civis dos países da América do Sul podem cooperar e aumentar
o intercâmbio para treinamento de oficiais, e cria a possibilidade, no
longo e médio prazo, de criarmos uma indústria de defesa dos países
sul-americanos, para que as forças armadas desses países se abasteçam
dentro da própria região. Isso, obviamente, contraria interesses muito
fortes.
China X Brasil
Na
China está se processando desde 1979 para cá um fenômeno
extraordinário, com uma enorme migração de capital e de tecnologia
proveniente dos países ocidentais. Isso transformou a estrutura da
economia chinesa, que já havia, aliás, passado por transformações com
governos anteriores, que criaram uma infraestrutura física, elevaram os
níveis de educação da população e assim por diante.
Então
esse processo – com taxas de crescimento em média de 10% ao ano – torna
a China a segunda maior potência econômica, o principal país exportador
e segundo maior importador do mundo. Isso tem um impacto grande nas
economias americana, brasileira, na asiática e europeia.
Esse
novo polo de crescimento capitalista tem uma característica: a China
não tem os recursos naturais suficientes para este ritmo de crescimento.
Mesmo com esse ritmo de crescimento médio de 10% ao ano, cerca de 900
milhões de chineses ainda estão fora da economia moderna. Então é um
país que tem escassez de minérios e se torna um grande importador de
todos os produtos necessários à indústria. Ao mesmo tempo, boa parte do
seu território é desértico e montanhoso, o que gera uma concentração
populacional muito grande na costa e na região leste. Além disso, eles
têm problemas de água e de poluição, inclusive nos lençóis freáticos.
Em
relação ao Brasil, são grandes importadores de minério de ferro e de
soja, que vai, principalmente, para a alimentação do gado chinês,
especialmente suíno. Então a China se tornou o principal parceiro
comercial do Brasil em poucos anos, com superávit para nós. As
exportações da China, vale destacar, não prejudicam apenas a indústria
brasileira, mas também a dos Estados Unidos e a da Europa.
Mas,
ao mesmo tempo em que prejudicam a indústria, atraem capital para o
setor primário, porque os investidores brasileiros e estrangeiros sabem
que, se forem investir na indústria no Brasil, enfrentarão uma
concorrência externa muito forte, principalmente da China, então a
perspectiva de lucro é menor. Enquanto que, se forem investir na
mineração ou na agricultura, sabem que têm, inclusive, o mercado chinês.
Também
há o efeito no setor cambial, que também afeta o setor industrial, há o
efeito de concentração de renda, por uma razão óbvia, pois tanto a
mineração quanto a agricultura de exportação empregam pouca mão de obra,
então esses enormes lucros que decorrem da exportação de produtos
primários são altamente concentrados.
Fonte: Informes PT
*GilsonSampaio
Nenhum comentário:
Postar um comentário