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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, julho 14, 2013

A vez dos pobres


Decisão de obrigar estudantes de medicina a servir ao SUS não é só correta e necessária - é fundamental para o processo civilizatório brasileiro

por Leandro Fortes —
Em meio às atabalhoadas reações do governo às manifestações de rua, da constituinte exclusiva ao plebiscito natimortos, a presidenta Dilma Rousseff se saiu muito bem ao mexer na estrutura de dominação social brasileira com essa história de botar os formandos em medicina para trabalhar no Sistema Único de Saúde, a partir de 2015. Trata-se de uma discussão antiga e necessária, mas que, até agora, ninguém tinha tido coragem de levar adiante. Pela reação das corporações de médicos e da nação de coxinhas de jaleco que se manifesta nas redes sociais, sem falar nos suspeitos de sempre da mídia, tudo leva a crer que Dilma mandou muito bem nesse assunto.
Todo mundo sabe que, no Brasil, as universidades públicas sempre foram um privilégio da classe média e dos ricos, quadro que só foi levemente modificado na última década graças às políticas de cotas raciais e sociais implementadas, sobretudo, no governo Lula. Lembro que, durante os governos do professor, sociólogo, intelectual, PhD e, agora, imortal da Academia de Letras Fernando Henrique Cardoso, a criminosa expansão do ensino superior privado levou essa distorção ao paroxismo.
Na Era FHC, nenhuma universidade federal foi criada, mas, em contrapartida, milhares de fábricas de diplomas se espalharam pelo território nacional para, paradoxalmente, abrigar os estudantes pobres e trabalhadores. Pior, com um sistema de crédito estudantil bolado por uma tecnocracia cruel, neoliberal, que comprometia a renda do infeliz até pelo menos quatro anos depois da formatura. Nos anos 1990, chegou-se ao cúmulo de que, em certo momento, nas universidades federais, a grande discussão dos estudantes não era sobre a qualidade do ensino, mas a falta de vagas nos estacionamentos das faculdades!
Na contramão de muita gente, sou favorável ao serviço militar obrigatório, pois se todos usufruem da pátria, é também dever de todos defendê-la. Li e vivi o suficiente, em quase meio século de vida, para saber que a paz é um muro de cristal e o preço da liberdade, como diz o velho axioma, é a eterna vigilância. Acho, apenas, que a doutrina militar brasileira, encapsulada ainda na Guerra Fria, tem que ser revista e refeita para que o conceito de defesa nacional não esteja arraigado apenas ao uso da farda. No mais, não é justo que a massa de recrutas brasileiros continue formada quase que exclusivamente por meninos pobres e negros.
Também gosto de lembrar que o voto não é obrigatório no Brasil, mas, sim, o comparecimento às urnas. O cidadão pode ir lá, no local de votação, e não votar em ninguém, simples assim. As restrições a essa obrigatoriedade de deslocamento se parecem muito com a banalização da crítica aos parlamentos, baseada em palavras de ordem que escamoteiam o efeito manada embutido nesse tipo de manifestação. Isso porque não há um único parlamento brasileiro (municipal, estadual e federal) que não seja composto por políticos escolhidos em eleições livres. Se são todos corruptos e ladrões, o são, também, aqueles que os elegeram.
Não sei se a presidenta foi correta ao estender a obrigatoriedade de serviço ao SUS para os estudantes de medicina das faculdades privadas, embora não veja nisso nenhum bicho-de-sete-cabeças. Talvez fosse o caso de impor a regra somente àqueles que estudaram com bolsa do Estado, como os beneficiários do Prouni.
De qualquer maneira, o fato é que esse poderá ser o primeiro passo para a construção de uma nova e essencial cultura de solidariedade cidadã com resultados óbvios para o processo civilizatório nacional. Mais à frente, espero, será possível estabelecer regras para que todo formando de universidade pública seja obrigado, em algum momento de seu curso, ou mesmo depois de receber o diploma, a prestar algum serviço para a sociedade que financiou seus estudos.
Ah, e que venham, também, os seis mil médicos cubanos.
*AmoralNAto

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