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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, julho 10, 2013

O povo não é bobo


 
Enquanto ainda alimenta a fantasia das “manifestações pacíficas” que cobriu, covardemente, do alto dos prédios das cidades, com repórteres postados como atiradores de(a) elite, a Rede Globo se vê, finalmente, diante de uma circunstância que não consegue dominar, manipular e, ao que parece, nem mesmo entender. Aliás, que jamais irá entender, porque se tornou uma instituição não apenas descolada da realidade, mas também do tempo em que vive. Ela e a maior parte dos profissionais que nela trabalham, estes que acreditam ter chegado ao topo da profissão de jornalista quando, na verdade, estão, desde muito tempo, vinculados ao que há de mais obsoleto, atrasado e cafona dentro do jornalismo nacional.
O poder da blogosfera progressista e de esquerda, que tanto incomoda, portanto, a conservadores e direitistas (partindo do pressuposto otimista de que há eventual separação entre eles), lançou-se numa organizada empreitada de apuração jornalística que fez a gigante platinada do Jardim Botânico tremer nas bases e, mais de uma vez, colocar pelo menos um dos joelhos no chão.
A partir de um superfuro do jornalista Miguel do Rosário, do site O Cafezinho, estabeleceu-se na blogosfera uma correia de transmissão informal, mas visceralmente interconectada, sobre o megaesquema de sonegação fiscal montado pelas Organizações Globo que resultou, em 2006, numa cobrança superior a 600 milhões de reais — 183 milhões de imposto devido, 157 milhões de juros e 274 milhões de multa. Foi resultado do Processo Administrativo Fiscal de número 18471.000858/2006-97, sob responsabilidade do auditor Alberto Sodré Zile. Como o auditor constatou crime contra a ordem tributária, abriu a Representação Fiscal para Fins Penais sob o número 18471.001126/2006-14.
Na sequência, outros três dos mais ativos blogueiros do País, os jornalistas Luiz Carlos Azenha, Rodrigo Vianna e Fernando Brito, respectivamente, do Viomundo, do Escrevinhador e do Tijolaço, estabeleceram uma sequência formidável de fatos que deram um corpo sólido à história levantada por O Cafezinho:
1) A multa da Receita, de mais de 600 milhões de reais (1 bilhão de reais, em valores atualizados), de 2006, é referente a sonegação fiscal praticada na compra, pela TV Globo, dos direitos de transmissão da Copa de 2002. Envolve, ainda, ligações com dois criminosos internacionalmente conhecidos: João Havelange, ex-presidente da FIFA, e Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF.
2) Em 2007, uma funcionária da Receita Federal, Cristina Maris Meinick Ribeiro, foi denunciada pelo Ministério Público Federal por ter dado sumiço no processo contra a Globopar, controladora das Organizações Globo, por sonegação fiscal.
3) Como não poderia deixar de ser nesses casos, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, deu sua contribuição às trevas: foi ele que relatou o habeas corpus que soltou a funcionária da Receita, depois da ação de CINCO advogados junto ao STF.
Sempre tão poderosa e segura de seus privilégios, as Organizações Globo entraram nessa briga mais ou menos como Anderson Silva diante de Chris Weidman, no octógono de Las Vegas. Acharam que estavam diante de adversários menores e insignificantes, mas, como se sabe, a soberba é o sentimento imediatamente anterior à queda.
Em apenas três semanas de contínua e criteriosa apuração da blogosfera, a Globo se perdeu em versões sem sentido e recuos de informação, admitiu a culpa da sonegação e justificou-se com um pagamento alegado, mas nunca provado. Teve, pela primeira vez desde que foi criada no ventre da ditadura militar, que se pronunciar publicamente sobre uma denúncia contra si, desgostosa de que isso tenha acontecido fora de seu espectro de dominação, a velha e reacionária mídia nacional, da qual é líder e paradigma. A poderosa vênus platinada teve que responder, primeiro, ao O Cafezinho, de Miguel do Rosário, e depois às redes sociais, ao País, enfim.
Soubemos, assim, que as Organizações Globo, que vivem de concessões públicas e verbas oficiais, ao serem confrontadas com a informação sobre o roubo do processo pela funcionária da Receita Federal, divulgaram uma nota dizendo terem tido uma “grande surpresa” ao saberem da ação criminosa perpetrada por Cristina Maris Meinick Ribeiro.
Então, está combinado assim:
1) Cristina, funcionária de carreira da Receita, enlouqueceu em uma manhã de 2006 e, do nada, apenas movida pela índole de anjo e pela vontade de ajudar a pobre Rede Globo, decidiu por conta própria roubar e desaparecer com o processo de sonegação fiscal de 600 milhões de reais da família Marinho. Depois, conseguiu pagar, sozinha, cinco advogados para arranjar um habeas corpus com o inefável Gilmar Mendes;
2) Em seguida, o Ministério Público Federal, então comandado pelo procurador-geral da República Antonio Fernando Souza, denunciou Cristina Ribeiro pelo sumiço da papelada, que resultou na condenação da referida servidora a 4 anos e 11 meses de cadeia, segundo sentença da Justiça Federal do Rio de Janeiro. Isso em 2007, tudo na surdina, sem que um único procurador da República tenha se preocupado a vazar um fato grave desse para a imprensa ou, no limite, para jornalistas com atuação independente na blogosfera. Nada comparável à fúria e à disposição do mesmo Antonio Fernando ao dar publicidade à denúncia do “mensalão”, notícia, desde então, incorporada à grade de programação da Globo como um coringa usado tanto em época de eleição como nos espasmos de epilepsia antipetista, aliás, recorrentes na emissora.
Talvez, de tanto viver na dimensão onírica de suas telenovelas, ou na falsa percepção que alguns dos seus sorridentes jornalistas têm do mundo real, a Rede Globo ache, de fato, que é possível fazer o contribuinte acreditar de que ela nada tem a ver com o roubo do processo da Receita Federal. Afinal, somos todos uma nação de idiotas plugados no Caldeirão do Huck, certos de que, ao morrermos, teremos nossas almas levadas ao céu pela nave espacial da Xuxa.
Ou seja, os de lá não aprenderam nada com o debate Lula x Collor, em 1989, nem com a bolinha de papel de José Serra, em 2010, duas farsas desmascaradas, cada qual a seu tempo, pela História. Não perceberam que a internet acabou com a era das fraudes de comunicação no Brasil e no mundo.
Apostam as últimas fichas na manada que reuniram em cinco décadas de monopólio de um império movido a entretenimento e alienação. Mas esse gado que foi alegremente tangido por vinhetas e macacas de auditório ganhou, com o fenômeno da rede mundial de computadores, novas porteiras e, com elas, uma perspectiva real de liberdade.
O silêncio envergonhado e vergonhoso dos tristonhos oligopólios de mídia brasileiros sobre uma notícia tão grave é, antes de tudo, revelador das nossas necessidades.
Fico imaginando qual seria a capa dos jornalões e das revistas coirmãs se fosse Lula a dever mil réis de mel coado à Receita Federal. E se descobrissem, no curso da apuração, que um militante aloprado havia lhe feito o favor de roubar o processo judicial a respeito. As massas seriam, no mínimo, conclamadas a linchar o ex-presidente e pedir as Forças Armadas nas ruas.
Por essa razão, enquanto o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, se dispõe a ir às páginas amarelas da Veja se colocar – e ao governo do PT – de joelhos perante quadrilhas ligadas a bicheiros e a esquemas de sonegação fiscal, a ação periférica da blogosfera rouba o protagonismo que antes era dessa autointitulada “grande imprensa”.
E, para tal, faz apenas o que tem que ser feito: jornalismo.
Leandro Fortes No PIG Imprensa Golpista
*comtextolivre

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